Buscando não se sabe bem o quê.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Bodas de Ouro



Sensação estranha de amadurescimento. Ambivalências. Meus pais fazem 50. Eu faço 50. É normal fazer 50. Não nasci em 58 e, portanto, não tenho - ainda - 50. Tenho quase isso. E daí? Pois, e daí que estou ficando maduro, envelhecido, cheio de concreto armado. Meu fôlego está um aço. Hoje venci no tênis um cara de 23 anos. E numa boa. A imagem do casamento de meus pais. Lá estão meus avós maternos e paternos. Meu avô paterno eu pouco conheci. Ele morreu quando eu tinha 5 anos. Nas fotos da boda, meu avô tinha 5o e poucos. Nasceu no fim do século XIX. Ele carregava consigo uma bengala. Sempre imaginei meu avô carregando aquela bengala da foto. Ele é um velho aos 50. Sou eu um velho? Serei velho aos 50? Meu avô era velho aos 50. Talvez isso faça parte da geração deles, características das pessoas daquele tempo. Agora é o meu tempo. Vivo o tempo de hoje. Respiro com intensidade. Ambivalências. No tempo de amanhã meu neto vai olhar minha fotografia e comentar: Nossa, como o vô tá acabado!!! E ele ainda nem nasceu. Boda de ouro, boda de prata, boda de papiro. Não sei até quando a gente vai carregando essas bodas.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Enquanto vocês estão fora...


A casa está limpa como sempre. Ela guardou as roupas no lugar certo. Estou tranquilo agora. A música sacra é envolvente. Ela não gosta. Eu acho interessante. Temos nossas diferenças e identidades. Acho que sabemos medir esses antagonismos. Acho. Ela está no repouso da ginástica aquática e ele, meu pequeno e maravilhoso ser, está na natação. Eles têm fobias de água e estão tentando vencer esse desafio. Enquanto isso estou aqui sozinho digitando isso. Fez um belo sol primaveril hoje. Forte, mas ameno. As plantas devem estar com sede e eu também. Fui.

Tenso e Aprazível


Manhã de reunião com executivos do Rio e São Paulo. Uma sala fechada sem janela, copos de água e xícaras de cafezinho. Éramos cinco pessoas. Todos mais velhos que eu. Dois na faixa dos 70 anos e dois na faixa dos 60. Tratamos de uma compra e venda de participação num grande empreendimento. Negócio pesado. Assunto tenso. Houve a proposta e depois a contraproposta e o pessoal ficou de pensar. O assunto em jogo não demorou 5 minutos, mas ficamos 2 horas naquela sala hermeticamente fechada. Caramba, foi impressionante! Nunca vi a afinidade tomar conta de um ambiente num clima como aquele. Depois de encerrado o assunto sério, falamos sobre ginástica que todos fazem, academias, bons restaurantes para comer, boas receitas para fazer, bons lugares para viajar, bons vinhos para tomar, como fazer um bom martini do jeito tipicamente americano, a onda de crack nas vilas populares, os bons tempos em que meninos de 9 anos tomavam o bonde sozinhos para ir ao colégio. No final das contas, a conversa que deveria ter sido tensa, foi extremamente agradável. Motivo óbvio: não tinha nenhum chato morrinhento e maçante para atrapalhar.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Negativos



Não
Não volto
Não vou
Não sei
Nada
Não quero
Não gosto
Não sinto
Nunca
Desenho de John Casey

Dia de Cachorro Morto


A chefia deu o ultimato. São ordens da autarquia. Recomendações de Brasília ou da Bolsa de Nova York. E eu com isso? Tenho de reunir meu pessoal numa agenda interminável para dizer a eles que é preciso cuidar da gestão e da organização, porque é fundamental. Sublinho, é fundamental. Todo nosso futuro vai depender das metas a serem alcançadas. Elas estão ali na planilha excel. O negócio é números, se conseguirmos atingir as metas, tudo bem. Mas se não obtivermos êxito nesse desafio o imenso tsunami do furacão vai nos atingir em cheio e o barco pode naufragar. Que naufrague, então, o barco. Que vá a pique. Mas não é isso o que eu quero. Eu quero é estar como estou. Quero permanecer - aqui e agora - olhando a janela da sala onde trabalho, contemplando o sol bater forte na cobertura do prédio ao lado. Ninguém na piscina em dia de cachorro morto.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Polvo


Fui alvejado pelo missel mais mortal
O veneno mais sinistro
Eu preciso me mover
Preciso reparar minhas mãos
Elas necessitam ...... digitar


Disseram tudo de mim
Que sou um polvo
Um cabra que toma conta do lugar
Que se apossa
Que não pede licença

Bando de dissimulados
Falsos e hipócritas
Eles sabiam de tudo
De tudo mesmo
E por que não reclamaram?


Hoje estamos ai
de casa repartida
Cada um na sua
Se evitando
E daí?


Eu preciso me defender
Quero ser espalhafatoso
Mas sou tímido
Tenhos as armas na minha mão
Elas estão aqui... preparadas
É só esperar a hora.

domingo, 21 de setembro de 2008

Cidade Plástica


Acordo em Seul, no meio da praça, do parque. Sei lá. Só sei que acordei em Seul. Muitas pessoas caminham. Eu olho para elas. Acordo em Seul. Eu tenho certeza que é Seul. Só Seul é assim. Impossível esquecer Seul. Olho para as árvores de Seul. Elas são feitas de plástico e canos elétricos. Todas as árvores são de plástico. Eu tenho certeza. Eu toquei nelas quando estive lá. Seul é toda arborizada. Tão bonito que é Seul. Seul tem muitos carros. Todos os carros que circulam são coreanos. Grandes caminhonetes. As avenidas são largas. Muito largas. Custa-se muito a chegar ao outro lado da rua. Caminho por Seul. A cidade parece parar. Em movimento parece parar. Eu paro. Meu celular toca. Minha tia quer falar comigo. Ela trocou de nome. Ontem seu nome era outro. Ela quer meu espaço. Acordo cansado.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Lado Bom Lado Ruim


Dizem que o marketing está em todas. Se o carinha não fizer uma bela propaganda de si mesmo pode se trumbicar. É o que dizem. Eu não confio muito no senso comum de que todos dizem. Prefiro seguir o meu ponto de vista, minha pequena filosofia de vida. Minha receita para viver com qualidade de vida é ser equilibrado. Eu sei que é muita pretensão dizer que eu sou um sujeito dotado de extremo senso de equilíbrio, porque tem horas que eu tenho a firme convicção de que o 'certo é saber que o certo é o certo' ou lamentavelmente eu me omito. Mas quem não se contradiz? Somos ou não somos poços de contradições? Virtudes e defeitos todos temos. Mas eu tenho certeza absoluta que minhas virtudes são muito mais acentuadas do que meus defeitos. Olha só, eu sou atencioso. Tenho paciência. Sou um sujeito de coragem, sou simpático, gentil, agradável, tenho certo charme, uma cultura razoável. Claro que eu tenho também o meu ladinho egoista, egocêntrico, não sou lá muito humilde etc. Pode ser até - eu admito - que eu não seja um cara simpático. Não sou simpático na primeira vista. É o que sempre me dizem. Tenho uma ruga de expressão bem acentuada que me deixa com ar de zangado. Mas, no fundo, no fundo, no fundo mesmo. Eu sou uma pessoa incrível!!!. Eu apenas não faço marketing de mim mesmo. Entende?

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

As Flores do Pessegueiro


Nadir Lauro subiu na árvore. Não estava interessado em colher as saborosas frutas, mas cortar os galhos com flores brotando para vender na feira, porque agora é moda na sociedade colocar galhos de pessegueiro nas mesas de jantar. Deu na Vogue e na Marie Claire. Nadir Lauro cortou os galhos mais longos com as flores recém abertas e outras por abrir. Cortou praticamente todos os galhos mais compridos para fazer um ramalhete e vender por 4 reais na feira do Bonfim.


Jurandir Jaime chegou em casa depois do futebol de todo sábado de manhã, estava todo suado e antes do banho deu um beijo (suado) na mulher, carregava consigo um lindo buquê de flores de pessegueiro. Miriam Roberta adorou, fazia tempo que ela não ganhava flores tão extravagantes, tão diferentes.

Nadir Lauro voltou para casa, no início da tarde de inverno daquele sábado, estava bem satisfeito. Vendeu dez ramalhetes de pessegueiro. Um lucro de 40 reais. Estava mais do que bom. Quando chegou recebeu uma multa de 1oo reais da patrulha ambiental, porque havia podado, sem autorização, a árvore da frente de sua casa.

Miriam Roberta almoçou muito bem aquele dia, mas ficou pensando, por que motivos, afinal, Jurandir Jaime comprou aquelas lindas flores de pessegueiro?

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Desvencilhado


Não estou com saco para posar com cara de sério. Quero mais é esculhambar a vida numa boa. Que se dane minhas nobres estruturas. Sinto a fuligem da hipocrisia na minha pele de bebê de proveta. Ela encarna a sujeira de uma alma mal lavada. Nunca tomei banho de perfume francês ou essências de lavanderia. As gotas da água límpida marcam meus pelos. Eles molham até ficarem derretidos. De alma lavada vou para rua protestar contra a selvageria. Armado de porrete e metralhadora aponto para todos as minhas artimanhas. Que se dane o resto, eu digo e repito. As pessoas nem me olham. Passam por mim, como se eu não existisse. Isso me irrita profundamente. Atravesso a rua sem olhar para os carros. Sou atropelado pelo ônibus que chega da periferia. Ele me atinge de frente em alta velocidade. Não sinto nada, não consigo sangrar. Continuo a pé e meus olhos tortos não param de procurar. Sigo meu caminho, como se nada tivesse ocorrido. Será esse meu destino? Será esse o meu caminho profundo? Não me interessam os argumentos intelectuais e visionários, quero mais é viver a vida profundamente. Derrubo mesas, vasos, copos e os cálices dos vinhos caros. Mas ninguém percebe minha grande mágoa. Sou mesmo um fantasma ressentido. Um anjo devassado. Perdi o controle de todos os poderes secretos. Não tenho saudades e nem lastimo. Preciso manter a forma, a postura, minha grandeza, gentileza e generosidade, mas não posso perder, jamais, a ironia.
Imagem: Ryan Robinson. Daqui.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Curiosidade Que Mata o Gato


Sem querer, eu fiquei sabendo da bisbilhotice. Era segredo, um terceiro comentou. Disse que ouviu dizer de 'sabe-se-lá quem' sobre certos aspectos da vida de alguém. Meu afoito lado infantil morreu de curiosidade. Quis logo saber do que se tratava. No final das contas, para ter acesso ao mexerico tive de prometer de pés juntos e com mãos descruzadas que não contaria para ninguém, nem mesmo para a pessoa em questão. Estou mantendo essa promessa, mas o dilema é profundo. Tenho relação de amizade com o personagem da intriga, conheço seus familiares, sei sobre sua vida, sua relação de bom profissional. Amanhã ou depois, posso encontrá-lo num supermercado ou até mesmo na fila para a cabine eleitoral, como já ocorreu. E daí? Se isso ocorrer eu não vou falar nada. Vou ficar na minha, falarei amenidades, sobre a vida em geral e suas idiossincrasias. Comentarei sobre o preço do pão crocante da padaria ou aquele incrível gol anulado do nosso time do coração. Tudo absolutamente normal. Será? Os americanos dizem que a curiosidade mata um gato. Talvez eles tenham razão. Eu nunca tentei matar um gato. Mas confesso que doi muito, no fundo da alma, esse desejo irreprimível de conhecer os segredos alheios.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Zimbabwe


Não sei se eu sou brasileiro. Não gosto de futebol, não gosto de samba e nem sou doente do pé. Além disso, detesto carnaval. Também não sou estrangeiro, não sei falar inglês, nem espanhol, quanto menos francês. Dizem que para filosofar é importante saber alemão, portanto não posso filosofar. Também não tenho nada a ver com o mundo oriental. Não gosto de comida chinesa, japonesa e detesto arroz Thai. Não acredito em Maomé e não tenho saco para ficar rezando todos os dias às seis da manhã. Inventaram agora que o importante é a alma e a unidade latino americana e por isso estão mandando embaixadores americanos (do norte) para suas casas (no norte). Eu não vou entrar nessa onda, porque eu não tenho nada contra os americanos (do norte). Olho para o mapa e fecho os olhos, escolho um país. Bingo, Zimbabwe que na linguagem xona significa Casa de Pedra. Vou morar em Bulamayo ou em Harare e vou me transformar num Banto ou num Shona. É isso ai.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Dilema Profundo


Ele estava abatido, inconscientemente abatido. Parecia fúnebre, mas não guardava rancor. Estava perdido numa memória curta e seletiva. Ele pensava em brincar de gênio quando criança. Nunca gostou dos bons heróis. Diziam e comentavam, quanta ingratidão para consigo tem aquele menino. Depois de tempos e tempos, quando o amadurecimento encontrou seu corpo, ele resolveu ser o que aprendeu a ser: uma pessoa amável, carinhosa, gentil e sensível. E ali estava ele parado olhando a vista da grande cidade numa manhã nebulosa de outono. O movimento desce, pensa. Tudo alcança seus limites até minha própria existência. Ele percebeu ali, naquele instante, que era preciso pensar mais um pouco antes de tomar medidas mais radicais. Pensando bem, ele concluiu, sempre fui um radical, sempre discordei de tudo, discordava até mesmo pelo capricho de discordar. Mas nunca demonstrei esse meu lado de discórdia porque sempre fui obrigado a concordar com tudo o que meu pai dizia.

Segunda-Feira


Manhã


As taças atiradas. Umas sobre as outras. Colheres, facas, garfos. Todos sobrepostos. Copos, diversos deles, de todas as formas, manchas de batom e vinho. Pratos sujos espalhados pela mesa. A toalha desbota com o sol da manhã. A fonte de água é pequena. O trabalho vai ser imenso pode durar horas, até um turno inteiro. Ela esfrega o rosto com sua mão áspera, porque está cansada. Seu marido não dormiu em casa na noite de domingo. Ele simplesmente... desapareceu. Ligou para ele desde a tardinha. Passou a noite inteira a discar. Ele não atende. Talvez tenha ido embora. Ela não quis fazer alarde e nem incomodar a vizinhança. Partiu cedo da manhã, pegou o ônibus, o trêm, o ônibus e caminhou até chegar aqui. O telefone toca e ela corre para atender. A mensagem não é para ela, mas para o proprietário que não pagou a conta do telefone.


Meio-Dia


Ao meio dia está tudo mais ou menos limpo, organizado. Decente. Com certeza está, ela pensa. Ele acorda sem dar bom dia, como sempre ocorre. Ele parece estar sempre preocupado com alguma coisa. Ele é muito esquisito. Senta na mesa e pede um café. Ela serve. Ele pergunta se alguém ligou? Ela diz que o pessoal da telefônica... Ele olha para o canto, para o lado, para o canto e para o lado e se levanta. Foi embora e não disse tchau.


Tarde

Mais uma vez ela disca para o celular. Ele não atende. Ela sente muita raiva. Isso é bom? Isso é ruim? Na verdade, isso é novo. Vai ser um novo recomeço de era, como diz a boa música. Ela aumenta o volume do rádio e resolve dançar. E dança para as panelas na pequena cozinha conjugada. Ela, finalmente, se diverte. Um novo tempo virá, ela sorri. Que bom namorar, ter amigos, conhecidos, ir para a balada sozinha com as amigas, as primas. Um novo tempo virá, ela repete.


Tardinha

Cansada, ela faz um sanduiche de pão de forma e presunto magro e café preto bem forte. Lê a capa do jornal do patrão: o descontrole da inflação faz aumentar os preços. O telefone toca, ela atende. É ele. Ela alivia. Foi um contratempo, tudo deu errado. Depois do jogo ele saiu com o Jacaré. Foram dar uma volta. Bebeu demais, posou na cidade. Ela grita, ele pede calma. Seu celular estava sem bateria, não havia como ligar. Está exausto e indo para casa agora. Ela conta o dinheiro que tem. Dá para passar na padaria antes de chegar em casa e comprar batatas para fazer uma boa sopa. Depois os dois vão dormir e acordar cedo para a rotina do dia seguinte.


* foto de André Cypriano.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Identificado

Identificado estou dentro da panacéia das minhas neuroses. Desplugaram integralmente meu ponto de vista. Peço socorro. Ninguém me ouve. Tá todo mundo preocupado. Ninguém pensa em falar. Tudo é perigoso. Absolutamente perigoso. Dizem para irmos para a luta. Não faz parte do meu ser, prefiro manter minha conveniência.


Fui identificado quando entrei na sala que fica na zona central. Não consigo contato com meus parceiros. Tenho que ficar pulando de galho em galho até que consiga, afinal, proteção. Sei que fui grampeado e não sei quem detém minhas conversas. Eles talvez saibam de tudo. Isso é perigoso. Vou ter que dar um jeito.


Alô é Samuel? Aqui é Lucas. Legal. É o seguinte. Preciso de abrigo. Tô a perigo, posso cair a qualquer momento. Não te preocupa este telefone é público. Eles não podem grampear todos os aparelhos ao mesmo tempo. Relaxa.




O inspetor olha a janela da madrugada. É muito tarde da noite. Ele dá o último trago no cigarro maltrapilho. Isso faz muito mal á saúde, pensa. Mas dá uma tragada com grande vontade. Joga a bagana no chão e amassa com muita satisfação. Ele teve um passe. Afinal, pensou algo diferente.

Ele bate a campaínha da casa do insuspeito. As surpresas sempre acontecem nos mesmos lugares. Ele mostra o mandado judicial. A ordem é de busca e apreensão. A turma sabe que os caras podem achar qualquer coisa.

O inspetor entra e procura por Lucas ou Samuel. Ele sabe que os detalhes são significantes. É preciso buscá-los. Cada cara que olha para ele é o personagem a ser encontrado. Ele não vacila, ele sabe muito bem que está procurando. Ele sempre acha.
fotos. Andrzej Dragan (a de cima) e Brad Harris (a de baixo).

Eu vi


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