Buscando não se sabe bem o quê.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Boneca Caduca


De todo o ralo que exprime o fumo
Aparenta a malvadeza do craque vilão
Se por sorte parecer malvado
Problema teu.
Evita esse pesadelo.

Acorda. Resgata tua alma de fome vazia
A fonte absoluta que inunda o corpo
Molhado, faminto, abastecido
de piedades tolas e misericórdias insossas
Te vira, meu amigo de sangue
Te vira, que a vida é curta.

Teu longo silêncio não me resgata
Não me abastece teu riso maroto
Não me venhas com velhos gibis
e com as velhas senhas ocultas
procuras algo? Encontre

Lá na imensidão da velha garagem
caiu uma boneca vesga
Os carros passam por cima
Os pássaros bicam sua alma
Ela permanece ali, inerte
Ninguém pega, porque ninguém viu
Ela é torta e parece engraçada
Meu amigo maroto se entorpeceu
Olhou para ela e morreu de amor
Foi enterrado na capela de outrora
Sua memória eu esqueci
E o corpo da boneca caiu no tunel vazio
de um falso passado.

Vapt e Vupt


Oi, minha rainha, deusa da minha vida, minha credibilidade ambulante. Onde andas nessa tarde de chuva grossa? Por que teu celular não me atende?

Eu te liguei para saber qual a fonte daquela informação que você me passou na última semana sobre aqueles casos complicados que a gente tanto discutiu nos últimos dias. Tenho pensado - e muito - sobre o assunto. Mas não quero falar em público sobre essa história. Pode ser confidencial.

Afinal, o que andas fazendo nessa tarde cinzenta que dá vontade de ficar em casa, deitado na poltrona, comendo pipoca e vendo um filme interessante. São quase quatro horas. Não consigo pensar em mais nada, apenas imagino nossos corpos presos no mesmo senso comum.

Finalmente bolei a idéia de que uma solução razoável possa vir -- mais cedo ou mais tarde. Não é uma grande sacada, mas uma sacada que pode nos tirar de todo esse dilema. O que fazer diante de um singular impasse? Acho que já me perguntei mil vezes. E lá se foram as horas de angustias e felicidades e, finalmente, te encontrei no meio do corredor de passagem. Te disse bom dia e você respondeu que a dor de cabeça havia sumido. Que bom, repliquei, assim você pode aproveitar melhor o dia. Não sei se você ouviu, mas foi isso o que falei.

E nós dois poderiamos estar agora presos no aconchego dos nossos corpos, olhando um para o outro e aproveitando o tempo perdido nos quatro cantos de todas as paredes do nosso principado. Mas não te encontro mais no teu número. Nem tua voz distante eu consigo ouvir. Talvez você tenha crescido ou envelhecido. Olho para mim e vejo minha barriga gorda crescer, minha barba consumir a boa aparência dos meus olhos, minha voz rouca embaralhar minhas frases raquíticas. Não sou mais o mesmo, porque meu orgulho genético parece ter tomado conta do interior das minhas profundas críticas. Esqueci de olhar para mim.

Belas horas de atraso são essas que passo a discutir comigo mesmo. Olho o relógio, no atraso. Falaria outro dia que isso me faz crescer, assimilar meus injustificáveis erros, os equivocos de nós mesmos. Mas agora é cedo ou tarde e o tempo parece que parou para nós mesmos. E a gente percebe nas entrelinhas de nossos discursos a nossa eterna boa vontade. Para quê sermos amigos, se podemos ser amantes? Para quê sermos cúmplices, se podemos ser coadjuvantes?

Deixa de besteira eu diria, deixa para lá, outra hora se discute, diremos um dia. Mas eu quero tudo, toda tua essência, sugar teu corpo, tua mente, tua alma como nunca antes fiz. Posso estar precisando de auxílio, sei lá!, posso estar completamente equivocado, maluco, doidão.

Confesso. Dentro de mim mora um jovem que me acompanha há muito tempo. Ele desfila como eu, com a minha imagem em todos os meus sonhos. Ele não percebe que envelheceu. Ele ainda te chama de rainha e de deusa. Ele te telefona, ele quer saber como você está, o que você está fazendo. Ele sempre te quer como se fosse a primeira vez. Mas ele não resiste ao abandono. Ele pode morrer por isso, mas ele não aceita sacrifícios. É difícil admitir que o tempo passou e não se é mais o mesmo.

Não se trata de um Dorian Gray e nem faz parte do meu retrato. Ele simplesmente não aparece. Ele é apenas uma obscura figura que habita as algemas do meu cérebro e faz parte do meu labirinto particular. Eu poderia chamá-lo de pequeno deus, ou o ceguinho das circunstâncias, mas ele parece ter uma alma ativa, um coração solidário que engana a mim mesmo. Não, ele não está mais doente. Aliás, ele nunca esteve. Ele sobrevive aos meus impulsos. Ele resiste e se manifesta. Às vezes eu o desprezo, porque ele não serve para nada. Nem pode servir. Ele faz parte da minha eterna inconsciência. Ele me incomoda e me diverte. Geralmente, ele me espanta. E o espantoso de tudo isso é que eu nunca tive a mínima vontade de expulsá-lo de minha casa. Ele fica ali, deitado no sofá, assistindo tv de barriga para cima tomando todos os meus vinhos. E eu não reclamo. Eu deixo ele usufruir minhas heranças.

Como tudo parece ser cíclico e o tempo - às vezes - se repete ou custa a repetir resolvi acabar de vez com essa embromação. A hora é agora. Esse pequeno ser tem que sair da toca onde se postou. Vou expulsá-lo. Não vou mais pensar que ele existe. De agora em diante, ele simplesmente não existe mais. Vapt e vupt. Pronto, ele se foi. Foi embora para sempre e agora estou só comigo mesmo. Finalmente, só. Ninguém mais pode intervir nas minhas vontades. Sou o único pensador de mim, o dono das minhas próprias pernas e o ator dos movimentos das minhas faces. Tomei conta do comando de mim mesmo. Assumi meus contornos e minha formatação.

Insisto mais uma vez e o telefone não toca. Minha rainha, deusa da vida, minha credibilidade ambulante está a minha espera na fila da padaria para comprar o pão da noite fria. A chuva cai, a gente se encontra e nada diz. Apenas sorri. Parece que o dia avançou. Parece.

domingo, 18 de maio de 2008

Membranas da Insignificância



Domingo de trago e jogo na tv. Desperta na hora que quer. Deitado no meio do nada. Que se dane o mundo. Idealizando nostalgias do nada. Hoje é dia de Gerald - foda-se o mundo - Thomas. Se o time perdeu, empatou ou ganhou, tô nem ai. Foda-se o mundo. Foda-se tudo, inclusive a garrafa do trago, bebida estúpida que invade a mente e deixa tudo como está, vesgo, tonto, insosso. Coração hipócrita. E não me deixe sentar na poltrona no dia de domingo. Rejeito todas as drogas de aluguel. Coração maduro, rouco amaldiçoado, perene, cego como um deus que cativa a mente da hipocrisia. Tô nem ai, você está? E numa passagem distante lá vem a multidão carcomida pelo vício da estupidez. Eles correm, todos certinhos, alinhados, vestidos com a mesma cor, indo e vindo na direção contrária. Mas você se enganou e pensou e sentiu que eles eram uma miragem, uma estúpida miragem. Grave equívoco de quem não percebe a realidade do mundo dos sonhos; Eles vêm exatamente na tua direção. Eles querem amaçar tua vida. Eles te querem; E quando eles te alcançarem, no meio da correria, você não será mais ninguém. Você voltará a ser nada. Eles vão te absorver. Vão sugar teu líquido, tua membrana da insignificância. E você será estúpido como eles. E o dia se foi e você vai carregar consigo a estranha sensação de que hoje foi um dia sério para averiguar a estupidez humana. Não adianta ver DVD's do Cartola e dizer que o Nei é o máximo. Ninguém te ouve e ninguém te quer. Ninguém sabe nada de ti. Assuma sua insignificância, coração de vivente! Assuma - rápido - o que você é. Porque amanhã será tarde. Tarde demais para recuperar o que se foi. E daí?

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Repetindo a Ginga


Pulsa, pulsa, pulsa. ARREBENTAAA. ARREBENTAAA. Com cara de louco ele desafia. Quem é homem aqui para me fazer de dois? Quem é homem aqui para me desafiar?

O garçom serve uma coca-cola para a moça de mini-saia. Ela está vestida de colegial e espera o namoradinho que ainda não chegou. O nome do garçom é Virgínio, mas todo mundo ali o chama de Vigo. Aquela foi a última noite de Vigo naquele lugar. Não me pergunte, ainda, o porquê.

Antes de tudo isso acontecer, era fim de dia de trabalho e os atores se movimentavam para a zona de agitação da capital. Os bares estendiam suas mesas nas ruas e os nightclubs já animavam tocando acid jazz. Vigo chegou no inferninho e colocou casaco, camisa, calça e laçou a gravata. Começou a servir a fauna.

Uma moça de mini-saia chegou. Vigo nem sentiu sua presença. Ela se instalou junto ao bar e pediu uma coca-cola. O garçom serve uma coca-cola para a moça de mini-saia. Ela está vestida de colegial e espera o namoradinho que ainda não chegou. Ela pede fogo e Vigo acende. Ela pede uma dose de rum. E Vigo atende. Ela disse que Vigo é bonitinho e Vigo sorri. Vigo se anima com a situação e convida a garota para sair depois de tudo terminar. Ela, então, condiciona. Com cara de ardil ela diz: saio contigo se você sair comigo agora, agorinha!

O som pulsa, a música é ritmo puro. A atmosfera é densa. A dança rola e Vigo tira a gravata e começa a dançar. Sua ginga é fantástica, ele deita, rola, pulsa e arrebenta. Pulsa, pulsa, pulsa, arrebentaaaa, arrebentaaaaa! Quem é louco aqui para me desafiar? Quem é homem aqui para me fazer de dois?

Leve, mas com os pés pesados e as mãos suadas ele a abraça e se dirige para a saída. E os dois partem na noite que recém começa. Amanhã é outro dia e Vigo vai ter que arranjar outro emprego. Que se dane o amanhã!

quarta-feira, 7 de maio de 2008

O Menininho


O menininho corre entre as mesas do restaurante. Ele ri, ele grita, ele sobe e desce as escadas, ele toca no piano, para desespero do bom pianista. O menininho faz barulho, ensurdesce o ambiente, torna tudo um pouco desagradável. Até que o ambiente fica tenso, quase denso. As pessoas se olham, ficam comentando, mas os pais da criança conversam na mesa ao lado completamente despreocupados com os passos e gritos do filho. Até que o menininho dá um grito bem agudo exatamente ao meu lado. Fiquei quase surdo. Olhei para ele e sorri. Por que esse sorriso? perguntei a mim mesmo: porque a lei do politicamente correto manda e determina que não se pode ofender o filho dos outros, por isso sorri. Mas olhei bem na cara da mãe do menininho com um sorriso bem amarelo. Ela olhou para mim e nem percebeu a cor amarela do meu sorriso e engoliu rapidamente o petit gateau. E o menininho continuava a correr pelo ambiente, batucava no piano e outra vez olhei para a mãe e para o pai da criança que continuavam a conversar, como se não fossem eles os responsáveis pelos atos do filho. E assim a noite passou, pedi a conta bem antes do que eu esperava e fui para casa com a sensação de que existe muita coisa errada nesse mundo de deus cego.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Embalo


Balanço que balança
embala
aperfeiçoa
toma conta
como se fosse o núcleo
o âmago que clama
hipnotiza
até adormescer
no silêncio da rede
iluminada
pela lua que cresce

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sobre Missões e Retalhos


Minha missão era apagar as luzes, mas encontro no caminho um nervo. Como se fosse um bife com nervo, com muito nervo e a empreitada do cirurgião é afastar o nervo. E assim procedi com muita perspicácia e determinação. Deixei o prato limpo, afastei a gordura de todo o resto e tentei seguir a missão, mas era tarde demais. Deu branco e não lembrava mais o quê, afinal, eu estava fazendo ali, naquele lugar, naquela hora.


Descansei o vinho por sobre a mesa e olhei na janela a procura de alguma sensação inusitada que pudesse servir de objeto para o meu trabalho. Visualizei, por incrível que pareça, uma modelo. Ruiva, pele bem clara e olhando para si, como se estivesse se auto-admirando. Ela tem uma pele super limpa do tipo que nunca pegou sol na vida. Sorvi um gole de vinho e fiquei admirando a bela imagem até que um felino se postou exatamente na frente da modelo.


Recebo a mensagem no celular, não se trata de uma chamada comercial para trocar o aparelho por um novíssimo com mais de cinco utilidades. Era uma mensagem estranha de um número que eu não conhecia e que não estava cadastrado no meu aparelho. Dizia a mensagem que o Tuco deveria fazer sorrir uma Chica. Fiquei pensando qual o significado de tão inusitado recado..


Ela me chama com voz rouca da gripe que pegou. Já é hora de apagar as luzes e agora lembro que era exatamente essa a minha missão, mas estou aqui preso na mesma máquina tentando terminar esse negócio. Minha rotina heterodoxa me ajuda a contemplar os casos que conto, mas têm dias que são outros e que o silêncio é mais do que necessário. As horas que passam deixam a sensação de algum dever cumprido. E lá me vou apagar as luzes da boa rotina e me encontrar com a chama viva daquela que me incendeia.

Eu vi


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