Buscando não se sabe bem o quê.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Mijada



Entro no bar lounge mais famoso da cidade e a garotada está toda ali. Eu, o velho decadente e desengonçado, cheio de nenhum charme, dotado de uma pança razoavelmente enorme no meio de toda aquela gente bonita, bem vestida e chique, mas não estou nem ai. Eles me olham com cara de desprezo e eu não estou nem ai. Eles me detestam, me odeiam e eu não estou nem ai. Vou até o balcão todo decoradinho, cheio de picuinhas, onde o tiro funciona mais rápido e peço a cerveja mais barata da casa e para abafar dou uma risada forte e muito expressiva. Tem gente que gosta. Quero mesmo é aparecer para esses merdinhas filhinhos de papai e suas princesinhas com bolsinhas de tigrinha. O rapazote, vestido de pirata, que atende no balcão me olha fixo e encaro ele com cara de muito bravo. Com minha voz forte e detonada reclamo: qual é a tua mané, serve essa merda logo. Eu sei que todo mundo me olha e estou aqui para isso mesmo. Nenhuma princesa ou plebéia nessas bandas daqui vai me querer e estou aqui por isso mesmo. Quero é beber e aparecer. Não conheço ninguém, ainda bem que não conheço ninguém, quero beber e aparecer. Depois da segunda, da terceira, da quarta cerveja dá uma vontade louca de mijar e vou direto ao banheiro. A porta do toilette está fechada. Para variar, alguém ali está fazendo o que eu gostaria de fazer. Bato forte, mas forte mesmo e berro bem alto para o bar inteiro ouvir: Caga logo essa merda! Mija logo essa porra! E a porta não abre e o mal educado sequer responde do outro lado. Isso me irrita profundamente. Fico denso e grito de novo: quero mijar e quero mijar logo, abre essa porra. O bar inteiro me ouve e eu sei que o bar inteiro me ouve e por isso eu grito ainda mais alto, mija logo essa porra e abre essa porra dessa porrrta.
Não sei exatamente o que aconteceu depois. Foi tudo muito rápido e muito instantâneo. Primeiro eu senti uma puxada e depois fiquei deslocado e completamente paralisado. Alguém sabia muito, mas muito mesmo as artes do judô, do caratê ou do escambau. E eu ali naquela situação ingrata, morrendo de vontade de dar uma bela mijada, mas completamente paralisado na minha ação. Alguém me agarrava com muito jeito, eu até poderia dizer e afirmar que o carinha era craque nas artes marciais. Não tinha outra opção senão gritar e berrei: pára, pára e pára tudo.
Um desconhecido com voz bem mansinha e calminha encostou a boca no meu ouvido e foi logo dizendo bem devagarinho, parecia que estava soletrando: eu sou o inspetor, não gostei dos teus modos, ninguém mais te quer aqui, vou te levar lá para fora e não vais mais voltar. Fique longe daqui, aqui ninguém te quer. Empurrado, paralisado fui vaiado por todo aquele bando de bunda moles. Humilhado fui jogado para o lado de fora do estabelecimento.
E lá me fui madrugada adentro para outras paradas. Antes de começar a banda, porém, no escuro da noite, na primeira parede que encontrei dei uma bela e boa mijada. Relaxado pensei antes de seguir viagem: como é bom mijar essa porra.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

A Ruga


Aspera ruga que no canto do rosto enruga. Apertada, exprimida, inchada ela aparece. Pó, muito pó, cremes, sabonetes e pomadas é preciso esconder. Criam-se maquiagens, tatuam-se aparências, aplicam-se soluções, mas ela continua ali, sempre ali, expressiva, insolente, camuflada chamando a atenção. E quando se acorda na manhã seguinte ela está ali exatamente no mesmo lugar, inflamando o mesmo canto do rosto que o espelho reflete. Simplesmente tu. Pó de tomate, repolho em calda, sabonete de giz, hálito de cobra nova, sangue da primeira menstruação. É preciso - dizem - ocultar os sinais da velhice e criar novas miragens. Resistir é preciso. É preciso resistir.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Lady Nalva


No dia do padroeiro ela está em Copa. Circula bem apertada de sapato novo, toda engomada, vestida de dourada. Misto de fascinação e desprezo. Basta ter paciência, dedicação e equilíbrio. E lá vai ela de mãos dadas com o estrangeiro de bermuda e chinelos inusitados. Engoliu duas doses de martini doce e chupou todas as cerejas. Meio alta ela caminha tonta na direção das curvas tortas da famosa calçada. Ela delira e começa a rir do sotaque esquisito do macho que aquela noite encantou. No alto do último andar de um bom hotel da orla ela enxerga a cidade: iluminada, movimentada, cheia de energia como ela. São tantas as estrelas, as luzes, as cores, as formas, os momentos, as alternativas e os vícios que ela nunca consegue deixar de desafiar a si mesma. Impossível, completamente impossível, largar tudo isso como quer algum lado seu. Melhor assim do que antigamente. Pelo menos essa vida naturalmente perigosa se torna um pouco mais divertida.
*foto de André Arruda do Ensaio uma Outra Copacabana.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Ciclos




És tu, apenas tu, nada mais do que tu
olhos deslumbrados - amadurescidos
os trigais, os lirios, a natureza sórdida
todo o tipo de romantismo chique
que se vai com toda a sorte de artefatos e versos
mesmo que seja incompreensível, mas bonito
tão lindo como o riso maroto do nosso filho de olhos bem pretos
envolvemos na nossa mesma curiosidade - sorrimos alegres
depois de um dia cansado, onde a tarefa sempre exige
afinal, se busca coincidências, semelhanças, amenidades
pequenos seriados que nos divertem nas horas a sós
perplexo ficamos quando atingimos o mesmo espaço de tempo
prelúdio curto que antecipa a mesa que serve e nos serve
o festival de cálices, da comida que floresce perto da casa
retornamos a ela com sentimento de dever cumprido, de missão inacabada
amanhã é outro dia da vida que continua para abrir as trancas dos labirintos de um ciclo continuo, suave e apaixonado.


quarta-feira, 9 de abril de 2008

Burrices






A falta de espaço, de modos, de métodos. Por isso eu digo, isso se chama burrice. Destino torto de quem apenas tem a tarefa de diminuir autoestimas. As máximas que se ouvem pela redondeza são levadas a sério pela meia dúzia de sempre. Mas eu não entro nessa e digo sempre o que vou repetir agora: isso se chama burrice. E daí, você pode me perguntar e eu não vou me importar. Pois é, e daí! Eu vou te responder com certa satisfação. O caminho da roça não está ainda definido, todos dizem. Eu não acredito nisso, porque sou teimoso. Sou curioso e não aguento lamúrias por qualquer coisinha. Quero espaço, encontro modos, arranjo métodos. Sei lá, dou um jeito, faço alguma coisa e não gosto de ficar parado, chorando no meio da rua dando xeque-mate em mim mesmo. Sou meu próprio desafio, meu anjo dourado da guarda e quando ele vai embora arrumar outras casinhas eu digo a ele, com minha grande cara de pau: isso se chama burrice.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Ponto e Vírgula



Que se dane tudo, inclusive o time que perdeu a partida no campeonato; o jogador que não encontrou as pernas; a torcida que violentou a guria; a menina que caiu no telhado deu dois suspiros e depois morreu; a madrasta e os maus tratos da vida; a omissão do pai ocupado com outros afazeres; a prisão decretada pela autoridade policial; é tarde. Vamos trocar o disco; o assunto anda mórbido e aqui está muito escuro - não consigo encontrar mais os pingos nos is, as crases nos as e o ponto e vírgula no obscuro teclado.

Eu vi


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