Buscando não se sabe bem o quê.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Ainda Esperando


Eu poderia falar de Dora, poderia falar do inspetor, mas não posso, pois tenho de atender o telefone.

Ontem fiquei uma hora esperando numa sala de espera. Peguei o celular e descobri um joguinho que forma cidades. Construi dezenas de edifícios, um maior do que o outro. Fiz até um imenso prédio de 50 andares. Parecia arranha céu de Nova York. Eu -- que queria tanto ser atendido -- rezava ansioso para não me chamarem, queria ficar ali mesmo esperando, esperando...

No local de atendimento, no andar de baixo, havia um aviso. Se você está gripado utilize as nossas máscaras.

Esperando


Imaginava comer no almoço sopa de letrinhas, mas fiquei preso no escritório por conta de uma nota que tenho de pagar. Minha secretária não chega, deve estar no almoço comendo sopa porque faz frio. Ela tem o comando do cofre, do talonário, até mesmo das canetas. Mas ela não tem o poder da assinatura e, portanto, minha sopa de letrinhas fica para o início da tarde.


Ah, sim, a imagem acima não tem nada a ver com o post. Eu pesquei de um concurso sobre a máscara mais interessante para conter a gripe A.

sábado, 25 de julho de 2009

O Cara Certo




Não me sinto enraivecido. Sou daqueles que gosta de flores. Sim, eu tenho respeito pelas pessoas. Acredito na conversa, no bom diálogo. Acho que no fundo as pessoas se entendem. Basta conversar, ouvir, escutar. Eu não me considero um homem difícil. Sou até muito fácil, afável, sensato, crível, tolerante e razoável. Apelo sempre para a convergência. Mas eu tenho minha opinião. O que fazer se penso o que penso? Posso até estar errado e também reconheço meus equívocos, que não são poucos. Assumo minhas besteiras, minhas ironias, minhas implicâncias. E eu tento mudar. Dizem que eu não mudo, que minhas neuroses infantis estão incrustadas no meu corpo. Falam que eu tenho de me tratar. A física nos ensina que estamos em constante evolução. Eu também evoluo. Eu sei que tem horas em que eu me torno complicado -- essa palavra vazia que não diz nada, mas diz tudo. Tenho minhas manias, minhas crises de autoridade. Quando chega um brinquedinho novo eu fico fascinado. Se é uma caixinha de música, então!, eu fico entusiasmado e me debruço nela para inserir mais e mais discos. E passo horas fazendo isso, perdido em mim mesmo. Quem pode entender uma criança que ganha um super presente? O aspecto lúdico da vida não existe apena na infância. Mas minha infância já se foi. Os cabelos brancos começam a aparecer. Os óculos são meus companheiros. Minhas pernas não correm mais como antigamente. Hoje enfrento a maturidade e, portanto, ouso deixar de lado minhas implicâncias infantis para cuidar da razão. Esse é meu dever. Tento ser solidário e responsável, mas sou incompreendido, porque não resolvi as obscuridades da minha infância. Minha vida admirável se resume a esse equilíbrio interno que faz parte do meu cotidiano. Tento ser perfeito, mas não sou. Não sou o cara ideal, sou apenas o cara certo.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Boa Neta




Dora me liga e conta de sua avó. Ela está doente, gripada e precisa de medicamento. Ela está sem grana e precisa de dinheiro. Não consigo resistir aos encantos dela e marcamos de nos encontrar num bar ali perto do aterro do Flamengo. O local estava agradável, era fim de tarde e o movimento aumentava. Peço um chopp, afrouxo a gravata e fico olhando o movimento. Nisso, vejo Dora entrando com cabelo novo e visual contemporâneo. Nossa, Dora, como você mudou? Eu faço isso para agradar aos fãs. Ela me disse que entrou numa nova era, numa nova época, que passou a cuidar do corpo, que tentava fazer Ioga, que arranjou um namorado rico e surfista que passava o tempo todo em Saquarema, que parou de fumar e beber por uns tempos, mas que tomava um chopinho comigo só para me acompanhar, que ganhou um perfume de seu chefe que está dando em cima dela, que ela não é fácil, mas que ela não é difícil, que ela é assim assim, mas no fundo, no fundo, ela é uma boa neta. Rimos à vontade até que a noite chegou. Eu disse a ela. Tome, pegue essa grana aqui por conta da nossa amizade. Mas não vicia. Você tem o meu telefone, liga quando puder. E lá me fui em direção à zona sul.

O Bolo




A enorme delicadeza não permite assistir a nenhuma derrota. Imperdoável. Bela frase para se começar. Enquanto mexe o a massa que forma o bolo pensa. Reflete, faz "feed back", ingressa nos tormentosos tempos de ontem. E lá no fundo, na memória esquecida, pinça um pequeno diálogo que aconteceu nos tempos da casa velha e que agora se reveste de sublime importância. Tudo exato, o clima perfeito. Adiciona na pasta uma boa porção de chocolate em pó, aquele do padre. Prova a pequena mostra do sabor amadurecido da pasta negra. Está boa? Tanto melhor. É hora de entrar em alfa, em beta, um 'insight'. O personagem diz: tudo não mais será como era antigamente. Perfeito. Já ouvi algo parecido em outro lugar. Mais um chavão para amenizar o clima: é preciso superar os limites para se poder mudar. Belíssimo, poderia acrescentar: os limites dependem da gente. Santa inocência. Agora, um finale apocalítico: tudo isso pode ser o começo ou o fim de tudo ou de nada. Filosofal. Um detalhe existencial não pode ser esquecido: amanhã nada disso será recordado. Uma metáfora: são cinzas pintadas na memória e que serão apagadas com as cores do dia a dia. Poético demais para o meu gosto. E o bolo, afinal, ficou pronto? Tanto faz, porque assim alimentamos o nosso bem estar adicionando doses e doses de ingredientes. E assim termino no meu vazio determinista: ficamos satisfeitos, até que uma nova crise venha a nos acompanhar. Quem vai comer o bolo? E quando isso ocorrer será preciso colocar a mão na massa e criar um novo bolo -- que será repartido e comido por todos. Tá bom.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Rádio Pampa




Engraçado. Coloquei a foto ali abaixo, porque já tive um gravador como aquele. Não era Sony, era Panasonic. Sempre gostei de 'cachinhas de música'. Quando tive meningite e fui internado no hospital, ele foi meu companheiro. Gravava as músicas da rádio pampa ou da continental. E no meio da música, o locutor dizia. Pampa... E depois.... nas reuniões eu me gabava que tinha todas as melhores músicas. E apertava no play, a música tocava, a batida era boa e o locutor -- com sua voz estridônica -- anunciava: Pampa.

Quando Nossa Chama Fica Acesa




Estão dizendo um monte de coisas. Na tv o fato do momento é que uma criança de 5 anos caiu da sacada. Os pais foram presos. A cena foi filmada. Eu desviei meu olhar. Resolvi fazer outra coisa. Depois dos comerciais outra notícia. Um empresário foi morto na frente da família. Testemunhas não querem testemunhar. A impunidade reina. Resolvo não sair com meu cão. A noite está muito fria e tudo está muito violento. Quero ficar na minha paz. E assim a gente se encolhe. Transformamos nossa casa no nosso mundo. E um dia a gente percebe que estamos sozinhos. Então, debaixo da minha solidão eu vejo o mundo pelas lentes da tecnologia. Tudo é filmado, fotografado, gravado: a menina que caiu, o assalto ao banco, o audio da corrupção. E os pais da menina foram presos porque foram omissos. Certo ou errado a pena é injusta diante do nosso contexto. Mas assim funciona nosso pais. Nosso estado putrefato da burocracia que emperra tudo. E minha revolta não dura muito. E resolvo me anestesiar ouvindo uma balada lounge. A batéria é muito certinha, o baixo também. A mulher sussura como música francesa. É para ser sexi. E conforta. O tempo está feio lá fora. E o mundo muito violento.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Requisitada




Um dia chamei Dora para comer num restaurante chique em Copacabana. Feliz ela foi. Ela falou sobre ela. Sua história triste de infância. A vida na Tijuca, na Lapa, no colégio, nos botecos, seus homens e suas mulheres. Mulheres? Sim, mulheres, ela respondeu naturalmente, erguendo com delicadeza feminina o cálice do bom malbec. Você é muito requisitada, arrisquei. Vi que ela não gostou, mas disfarçou. Sou mesmo. Todos me querem, todos me desejam, mas não sou fácil. É que eu enjôo. De manhã cedo quero ir para casa, cuidar da minha vó.

Na manhã seguinte ela levantou, colocou minhas havaianas, fez café, arrumou a cozinha, tomou uma ducha e se foi. Eu pago o taxi para você. E dei uma nota de cem. Ela sorriu, deu um beijo e foi embora.

Circulando pelo Lavradio


Quando cheguei ela ficou olhando, enlouquecida. Ela estava ligada, completamente ligada. Não sei se tinha amigas ou amigos. Se estava com alguém ou não estava. Isso pouco importava. Eu queria ela e ela estava a fim de mim. Comecei a me preparar. Tomei um gole - dei um trago e me aproximei. Ela sorriu. Eu disse: isso facilita. Eu sei, ela disse. Qual teu nome? Dora, moro com minha avó, que é cega. Eu pensei em dizer, "ainda bem", mas achei que não era conveniente. Legal. Você vem sempre aqui? Tô aqui direto, disse ela. Estou sempre nas bocas da Lapa. Quer me encontrar circule pelo Lavradio.


Foi assim que encontrei Dora, isso faz uns cinco anos. A gente se encontra quando resolvo circular pelo Lavradio. Acho que ela me detesta, porque eu simplesmente desapareço. Dou um tempo, três ou quatro meses e resolvo circular pelo Lavradio. E lá está ela, sempre linda, olhando enlouquecida.

Eu vi


visited 31 states (13.7%)
Create your own visited map of The World