Buscando não se sabe bem o quê.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O Máximo em Nós


Nosso encanto é eterno. E fazemos bem assim como gostamos, por isso a gente é feliz. Estamos sempre juntos e amamos nosso sentimento como a única hipótese possível na vida. Não existe outra alterantiva senão nós. Impensável medir o que sentimos. E dificilmente nos amarguramos. Não sabemos o que pensar de outras pessoas que se movem pelas nossas paralelas e perpendiculares. Será que elas existem? Fechados em nós com a única chave que abre a nossa porta de entrada. Eu falo para ti que responde para mim. Todos dizem, a gente sempre se entende. Mais ninguém. Apenas nós. Para que compartilhar isso com outros? Para que modificar nossa hipótese de ser? Não queremos e não desejamos mais nada - apenas nós. O mínimo e o máximos somos nós. Estamos além de qualquer medida. Basta nós. Nos encantamos em qualquer lugar, mesmo que seja perto dos esgotos do mundo. E nos beijamos com a sinceridade necessária que compartilhamos com o nosso segredo de sempre. Não temos outros confidentes nem outros cúmplices. Nos encerramos em nossas vidas e dialogamos para nós. E quando a visita chega em casa - e servimos o necessário café - ela sempre nos olha, impressionada. O reflexo que exibimos no calor da noite cinzenta é visto pela vizinhança que se acomoda nos outros quartos e salas da redondeza. No prédio ao lado, num quarto bem acima, onde poucas pessoas circulam - está o inspetor. Ele anota os passos, os momentos e os desejos. O lápis, dessa vez, tem dificuldade em escrever. Ele molha com a ponta da língua a ponta do lápis.

Conversa Arranhada


Você não percebe minha lingua, minha linguagem incógnita. Quero me comunicar, falo alguma coisa, balbucio e também rio. Rio de nada, de tudo, de janeiro. Mas você acha que isso não é risada, é caso sério, palavra chave, quebra-cabeça de palavras sem sentido. Quanto custa teu conhecimento? Qual o teu preço? Por acaso posso te comprar? Posso tirar da minha carteirinha pobre algum centavo para poderes me mostrar alguma coisa? E me largas na mão na seqüência dos atos. E quando falo um palavrão me queixando da vida, o céu desaba sobre todas as cabeças, inclusive a nossa. E lamentamos que tudo tá dificil, que a humanidade é amarga, que o trabalho gera pouca grana e que o trânsito anda trancado lá fora. A vida dura é cara lá fora e por isso temos que ter paz e tranquilidade aqui dentro. Os ânimos estão exaltados. Alguém sai da sala. Alguém se deita no sofá. Ninguém chora. Do lado de dentro de tudo, está o inspetor. Ele olha para os dois lados, não faz nem sim e nem não com a cabeça. Ele simplesmente observa. Ele não vai dizer nada. Nenhuma pista, nenhuma dica. Ele anota tudo, com muita síntese, no bloco arranhado de sempre.

sábado, 27 de outubro de 2007

O Bloco Encardido de Poucas Folhas


Diz a lenda, a história e a religião que no início dos anos, quando o mundo era nada, dEUS cEGO --que vivia na escuridão definitiva e se sentia muito isolado -- resolveu criar um ser. Mas que ser pode ser esse ?

dEUS cEGO pensava diariamente (desculpe, naquele tempo ainda não existiam dias) como deveria fazer, de que forma poderia criar, como isso iria se consolidar, qual a melhor formatação, o jeito mais razoável de racionalização e otimização dessa fantástica e impressionante produção.

dEUS cego não raciocinava outra coisa. E como a vida não pode esperar ele iniciou a construir seu velho sonho, sua grande utopia. Não foi difícil realizar o projeto que estava pronto, perfeito e acabado em sua mente. dEUS cEGO se tornou, então, esse grande e reconhecido arguiteto, pai dessa importante criação. Toda a nossa história iniciou, num momento obscuro, numa época sem tempo e sem vida, quando ELE criou a existência ao executar um fulaninho super discreto que tem todas as chaves de todos os lugares e está em toda a parte, mas ninguém - ou quase ninguém - percebe. É o freguês da fruteira que não fala com ninguém, o hóspede do hotel que fica todo tempo isolado, a catadora que se chama Vera e que faz seu trabalho silencioso, nas calçadas da vida. Um tipo assim que quase ninguém nunca viu. E nem percebeu.

Foi nesse momento mágico, nessa instante sem tempo na história que dEUS cEGO resolveu criar a vida "dando vida" ao inspetor. Discreto, de poucas palavras, ele não tem sexo, parceiro, companheira, namorado ou esposa. Ele nunca fica viúvo. Ele é simplesmente o inspetor. Intérpretes autorizados ou não, escribas de boa e de má fé, têm gerado discussões polêmicas em torno desse mesmo assunto. A grande dúvida é saber se dEUS cEGO criou o inspetor a sua imagem e semelhança. Ou não. O assunto causa muito transtorno e, como não se brinca com o fundamentalismo, ninguém arrisca a ir muito longe nessa discussão.
E foi assim que nasceu o tempo, a história, as lendas, as religiões, o mito, a política, o esporte, a filosofia, a estética, a moral, o trabalho, a repressão, a exploração, a picaretagem, o compromisso, as neuroses, os problemas, as angústias e as felicidades. Este foi o grande momento da gênese de tudo. Foi assim que se arquitetou e formatou a humanidade e sua história, o início de todos tempos. Avesso a esses aspectos teóricos e sagrados o inspetor sai as ruas da cidade, incôgnito e atento, sempre está a perceber: fica olhando, observando, anotando os pecados e falsidades, tristezas e alegrias, picaretagens e virtudes. Todos os detalhes são anotados. Anota tudo com lápis velho, sem borracha, num bloco encardido de poucas folhas.

(A imagem acima é o desenho do disco trick of the tail do Genesis, da década de 70, uma das mais belas capas de disco que conheço)

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Visita de Surpresa


Joga tudo no liquidificador, banana, pera, maçã, manga, mamão e depois mistura com uns cereais baratos que comprou na oferta do armazém. Prazo vencido. Toma tudo de uma só vez. Esqueceu de derramar os ovos. Dois ovos e um copo de nescau para misturar o gosto de chocolate. A cozinha está suja. Ninguém em casa. É tudo com ele. Detergente, pano de prato, tudo organizado na porta debaixo. Barulho no quarto. Deve ser alguém. Mas quem poderia ser? Todos sairam, todos foram trabalhar, estudar, ganhar dinheiro. Só ele permanecia em casa, praticamente sozinho. Sim tinha o Bambi, o cachorro da casa que estava ali de olheira observando a situação e rezando para que algum resto de comida caísse no chão. Mas o santo foi super cuidadoso e não deixou nada cair. Tadinho do Bambi, sempre levando a pior e sempre com o direito de receber a restrita ração diária da marca Bozo. Barulho no quarto. De novo? Santa preguiça, lá vai o homem verificar o que ocorre.

Quem diria, o inspetor novamente vasculhando, inspecionando o lugar, olhando para todos os cantos e vendo se estava tudo em ordem. E parece que estava.Que bom que estava. Dessa vez me safei, pensou o homem. Tudo bem inspetor, nem vi o senhor chegar, havia esquecido que o senhor tem todas as chaves de casa e pode entrar quando quiser e a hora que quiser. O senhor me deu um belo susto, nem o Bambi notou. Da próxima vez avisa. O inspetor não deu a mínima bola e continuou verificando todos os cantos e buracos e anotando tudo no caderno sujo e manchado de muita anotação. Cada detalha insignificante ele anotava. O inspetor é muito cuidadoso, cauteloso e prudente na sua análise. Dizem que ele nunca erra e faz observações pontuais que dificilmente podem ser contestadas. O inspetor é foda, é o que todos dizem.

Sem dizer bom dia, boa tarde ou boa noite, o inspetor foi embora e deixou o vivente desconsolado e inseguro. Qual será o veredito? Quando virá o resultado? Ele ficou preocupado porque o inspetor nada falou, nada disse, nenhuma observação fez. Ele entrou sem ninguém perceber, anotou tudo que via e saiu sem fazer nenhum alarde. O inspetor é muito foda, todos têm razão. Mas o homem tinha muito a fazer. Arrumar todas as camas, limpar os sanitários, o local da ducha, fazer o almoço, lavar os pratos, arrumar a casa para que as pessoas tenham uma boa noite. Passar no mercado para trazer o pão e o leite da noite. E no final do dia, quando todos estiverem dormindo, o santo homem percorre toda a casa, limpa os cinzeiros, tira as manchas de vinho dos cálices e coloca tudo no armário. E é ele o primeiro a acordar. Uma hora mais cedo do que os outros, para fazer o café com suco de laranja e jogar tudo no liquidificador. Qualquer hora de qualquer dia ou noite, o inspetor pode chegar. E ele é foda.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

De Olho em Mim


De toalha na cintura, senta. Olha a tela. Molhado. Suando. A tela ali. Acesa, enigmática. E a mensagem aparece, ela está posta. Era o que se imaginava. Mensagem assim tem que ter resposta rápida. Muito, muito rápida. Mas ele está de toalha ali, todo molhado, suado. Quanto tempo para secar? Meia hora ou duas? Que isso que nada, menos que isso, muito menos. Não há mais tempo para esperar e dane-se o mouse, o teclado, a tela, os programas, os arquivos. Dane-se tudo. Digitou: Não posso, hoje não posso. É perigoso, muito perigoso. Estão de olho em mim, todos os cantos de olho em mim. A toda hora, de olho em mim. Em todo lugar, de olho em mim. Faço algo, de olho em mim. Faço nada, de olho em mim. A conversa está encerrada ele fecha tudo e vai para o quarto se secar.


Adormeceu e acordou apenas no outro dia. Tinha sol, era o que se imaginava, pela fresta da janela, a cortina mal fechada. Observou, tinha muito sol e era sábado, domingo ou feriado. Não se lembrava. Fazia tempo que estava ali, quase trancado, sem contato, apenas um, sozinho. E pensava: estão de olho em mim. Todos eles de olho em mim. Faço isso e aquilo, de olho em mim. Então, ele fechou a única fresta de sol que restava no pequeno recinto. Submisso sentou no canto, na única cadeira perto da única mesa, longe da única porta. O centro da cidade respira e ele ali ofegando. O centro da cidade grande desperta mais cedo que os outros bairros. As pessoas circulam pelos corredores dos edifícios, as portas ficam trancadas quase para sempre. O vizinho não conhece o outro. Só de vista. A porta estava ali. Não conhecia ninguém no prédio. Nem procurava conhecer. Mas olhava fixo para a porta. Qualquer hora ela vai abrir. Um banho quem sabe? Um novo banho. Um novo corpo limpo.


Com a toalha na cintura ele senta. Molhado, suado e sentado. A tela está cheia novamente. Muita gente no comando. A mensagem aparece. Não é possível, pensa. Molhado, pensa. Um tempo, um grande tempo. Um dia ou dois, ou algumas horas. Não é possível continuar assim. A porta abre, um sujeito aparece. É o inspetor, ele está no comando. Pergunta: o que fez hoje? Nada, olhei a janela, tinha sol e fechei. E ontem? Tomei banho, olhei para a tela, digitei duas mensagens e dormi. E o que vai fazer depois? Não sei. Alguma sugestão? Nenhuma. Amanhã ou depois eu volto, passe bem. E o inspetor foi embora. Não era sonho, nem nada. Era apenas o inspetor e seu grosso bigode. Grandes cílios e boca com cheiro de cachimbo. O inspetor está de olho, ele controla. Ele está de olho em mim.


A Morte de Um Ofegante


Ninguém. O cabo que liga a porta dos outros está sem contato. Nem nome e nem telefone. Nenhum registro. Absolutamente ninguém. Desconectado da vida que passa adiante com muita fé. E no abismo das relações tudo fica mais ou menos assim incomunicável. Homem enjaulado. O leão acorrentado que perde seus dentes. Livros? para que servi-los? Uma pessoa e seus livros, seus filmes, suas músicas, suas desculpas. A caixinha de sempre escondida na intimidade do lar -- onde o egoísmo e o egocentrismo habita. Mundo moderno que se distancia oculto e transparente, quase invisível. E de casa para o trabalho e do trabalho para casa, gente se aglomera no carro privado de sempre. Ouve-se rádios, fms, músicas importadas e tudo isso pode ser rompido. Basta um corte, um simples corte, de faca ou de caneta. Enclausurado em sua vida - bate ferro, bate no liquidificador, bate a porta e tranca ela com mil chaves, de cima para baixo e de baixo para cima. Confira todas elas. As grades, as portas, o controle remoto da garagem. Tudo fechado, lacrado, absolutamente em segurança. Ninguém viu e ninguém passou, mas alguém entrou. Chame a polícia e o psiquiatra, a camisa de força. Se algum maluco passou por aqui e tomou a água fria da geladeira e derramou cheiro humano nos móveis da intimidade a ocorrência tem que ser registrada. Dá um pulo lá e volta já. Tenha paciência e tenha fé. Tudo vai voltar a ficar no seu lugar. O ano que é novo está perto e este vai embora para nunca mais voltar. Se acaso você chegasse e abrisse a janela do quarto e colocasse uma lâmpada nova para melhor iluminar o sol da manhã ninguém reclamaria, porque existem pessoas que têm sempre razão. Não é o caso. Infelizmente, não é o caso. Chamem a polícia, o capitão, a operação especial, para prender o ladrão que nada roubou, sequer furtou, porque ele não existe. É invenção da civilização, é filme de ficção, é livro sem odor, é flor de plástico, um recheio do souflet que descansa parado no centro da mesa. Ninguém come. Ninguém tem vontade de comer. Não se bebe, não se belisca, que nem sonho para acordar, que nem aquele segredo que todo mundo já sabe, mas ninguém quer dizer, porque certas coisas não se diz. Se percebe, se assimila, mas não se discute. Para que brigar diante do fim? Melhor negócio do momento é vender a casa, sair dela, ir para um parque ou para uma praia. Lacrar as fechaduras e plantar uma notícia no jornal. O dia que a morte for anunciada muita gente vai morrer de pena. Pena para quê? Morte morrido ou matada, pouco importa. O caso é o seguinte, diria o inspetor, foi morte natural, morte súbita, sem empate. O primeiro a fazer o gol vence. Foi assim que ocorreu e assim a ocorrência foi transcrita no registro geral da primeira delegacia. O assunto nem foi parar no jornal. Nem mesmo um pequeno anúncio fúnebre foi divulgado. A morte realmente estava anunciada. E isso tudo é tão clichê. Todo mundo já sabia e alguns até torciam, porque nunca é bom prolongar os sofrimentos. Sei não. Esse papo é sério. Talvez sério demais e isso tudo preocupa. Quando a luz se apaga e fica tudo escuro se houve o latido de um cachorrinho reclamando da ausência de seu dono. E vai dormir numa hora dessas. Vai, vai, vai... relaxar sentido o desespero de um animalzinho insignificante que nunca foi visto. Impossível, o sono pesa, a morte pesa, o envelhecimento pesa, a preocupação pesa. E quando o sujeito está acima do peso ele corre menos, ele respira mais, ele ofega. Nesse estado, ele se emotiva na paranóia da interpretação. É tudo tão desnecessário. Para que sofrer diante de um restrito ponto de vista? Já acordou, já dormiu e já morreu. É passado, já fez história. Chega! Basta. Se não morreu que mate logo, "amor-cegando" o sofrimento. Dá um tiro de silenciador para que ninguém escute, para que o tempo passe de alma lavada. O corpo morto e ofegante que jazz na esteira do ginásio. E lá vem o inspetor novamente dizer: morte matada, morte morrida, quem sabe um pesadelo? Sim, sim, não mais que um pesadelo.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

A Maquete


A montagem não está perfeita. A maquete no chão. Um monte de mãos a trabalhar. Cortando e recortando os moldes necessários para o bom trabalho. Falta apenas um idealizador, o carinha que comanda o espetáculo, o grande arquiteto que dá as ordens necessárias e organiza toda essa função. Esse cara não existe e todo mundo trabalha na desorganizada organização. A maquete não está ficando perfeita. Ela tem falhas. E falhas graves. Falhas de comunicação, de execução, de racionalização. Falha de montagem. Um monte de mãos a trabalhar de forma descompassada. Cada um colando o molde no local certo e incerto. Cada um faz como dá na telha. E o trabalho vira uma arte da participação. Muito lindo e rico no aspecto participativo, humano, social, mas pobre, totalmente paupérrimo, na visão objetiva e comercial dos fatos. E se o cliente não gostar? E se a platéia admirar? O que vale depende do ângulo que se vê. Os sócios do mutirão descansam diante do trabalho feito e realizado. O que fazer diante de uma inusitada maquete? Para que mesmo ela serve? Quem a encomendou? Sentados no chão todos se questionam e surge uma idéia brilhante. Vamos desmanchar e fazer outra exatamente igual.

sábado, 20 de outubro de 2007

Fogo Roubado


Pernas para que te quero.
É preciso saber viver.
O direito de comprar sapatos.
Medos.
Nada demais.
O pomar de meu sangue.
Um único líquido.
O espelho retrovisor.
Receita número um.
Longe de um hotel cinco estrelas
Um dia vou tirar umas boas férias.
O punhal que habita o meu lar
Escadaria. Submissão.
Soldado obediente
Inacabado pessoal.
Uma vida em meio a farofas
(Poema sem título e sem compaixão para uma amiga em dificuldade.)

Como Todos os Outros


Atmosfera de sempre, foi isso a primeira coisa que ela observou quando chegou na festa dos parentes do marido. Ela continuava de salto alto e tudo aquilo era muito cansativo. Havia trabalhado o dia inteiro e cuidado da filha até altas horas da noite anterior. Estava, pois, super cansada, mas os compromissos familiares devem ser cumpridos. Essas são as normas (não muito rígidas) da sociedade local. E ali estava ela, olhando para os lados a procura de..... Na verdade, ela estava ali e nem sabia o que estava procurando. Ela estava ali porque tudo aquilo era um compromisso. E tinha que estar ali de cara sorridente para mostrar a todos que ela estava feliz, que sua vida estava feliz e que ele era feliz. E o jantar passou amigável, com sorriso no rosto e cansaço na alma. Mais tarde na cama, quando a filha e o marido já dormiam, ela virou-se para o lado e pensou sobre o dia que havia partido. Foi um dia normal, foi um dia comum. Um dia como todos os outros.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Relógio


Na impessoalidade convivo com minhas energias. Não sei que carga elas têm nem se são negativas ou positivas. Não medi, ainda, o termômetro da minha temperatura. Sofro e convivo com a febre terçã benigna, maligna que se transforma em febre quartã e que expõe meu corpo a momentos de cólera que convulsiona todos meus instintos noturnos e diúrnos. Acordo seco com um palavrão e um chute na altura do joelho. Nem bom dia, boa noite, nem nada. Apenas o murmúrio da tempestade que rola solta lá fora e derruba o vazo de palmeira bem em cima dos telhados dos puxadinhos que construi com a sobra da minha pensão. Escrevo esses detalhes -atentamente - para que eu possa lembrar e refletir sobre esses dados e para que eu não esqueça. Minha memória anda tomada pelas névoas que circundam o meu dia a dia. São espectros visíveis e invisíveis que carregam e descarregam as pilhas do meu pensamento. Eu, infelizmente, não tenho mais o controle sobre meu corpo que escorrega vazio nas esquinas desse imenso labirinto que não consigo vasculhar, por absoluta falta de vontade e de tempo. Tempo que falta e tempo que rende e se esgota sempre antes de terminar. Passo o dia contando o tempo das horas e olhando para a janela da alma a espera de alguma energia que carregue algum resquício de uma vida admirável. Posso cantar e ser gentil, posso inventar mil coisas, posso ser um grande equivocado, mas o que mais prezo e nunca - nunca, nunca - vai descarregar da memória plana de meus sentimentos é o relógio do imenso amor que sinto por ti.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Botando as Porcarias para Fora



Primeira Porcaria


Tanto faz. Quanto aqui. Quanto agora. Tanto faz.
Não lastimo, não suplico, não consigo sofrer.
Cara dura, coração duro, flor de insensível.


Segunda Porcaria


Você prometeu - não cumpriu
Tá na hora de pagar todas as promessas
Malditas, benditas e esquisitas.

Terceira Porcaria

Figura danada. Que não sabe o quer.Maldita praga que corrobora tua linha de pensar.Bem me quer, mal me quer - Mal me quer.

Quarta Porcaria

Chove muito e chove pouco
Chove bastante e vai chover muito mais
Quando chove ela canta - chove chuva.

Quinta Porcaria

Comi duas dúzias de bergamota porque é bom.
Tive gula e vontade.
É azeda, é sadia, tem boa cor e dá afta.

Embalando os Fluxos de Nossas Vidas


A tropa de choque que toma conta da ordem investe contra um padre capuchinho que grita palavras de ordem para defender seu rebanho que roça a roça dos outros. E o impasse chega diante dos holofotes da mídia. Pessoas foram presas e atiradas na cela suja da delegacia local. E lá passaram algumas poucas horas até que a ordem do Juiz plantonista chegou e todos foram para os ônibus, que os esperavam, repletos de manifestantes.

Assim o dia terminou e o assunto virou notícia nos jornais on line por algumas horas, porque outros assuntos mais importantes vieram à tona. O noticiário da corrupção no poder central é avassalador. Na versão escrita, o incidente não foi relatado, sequer apareceu na pauta, porque o fato é corriqueiro e as pessoas já estão fartas de fatos corriqueiros, para não banalizar esse tipo de informação.

E na blogosfera pessoas com luvas e tapas de pelica conseguem pinçar esse tipo de assunto nos labirintos da rede e o assunto vem a tona, junto com muitos outros. Alguns com mais e outros com menos ânimo. E assim a humanidade adormece por mais um dia a espera de novos fatos que vão embalar o fluxo de nossas vidas.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Um Prisioneiro Refém de sua Pena


Pisando em ovos e cheio de dedos ele não pode se transformar num galo. Nem em um corvo. Não pode, também, passar por farofeiro, nem mesmo maluco demais. Ele deve passar longe dos galinheiros e evitar as galinhas -- de coxas gorduchas e pescoço enrugado. Não. Não. Ninguém quer ser o dono do punhal que habita o lar. Nem de férias, nem de licença.


Cada um deve ser como é. Exatamente como manda a alma, com ligeiras imperfeições que podem ser modificadas com uma boa e pacienciosa conversa. Não se pode negar que ela, a alma, foi corrompida pelo equívoco, porque ela foi. É fato consumado. A pena tem e deve ser executada. Ele é o prisioneiro de sua própria falta que tenta (e quer) pagar seus pecados engolindo vários copos de cólera. Mas a pena pode ser fatal e a cólera mata em 36 horas. O corpo fica no chão do silêncio imóvel. As pessoas passam e olham incomunicáveis. Olha o gordo balofo jogado ali no chão!


Vencido pelo cansaço de uma pena não cumprida, o prisioneiro continua a suspirar a procura de uma punição. Vigia de sua própria sorte ele quer cumprir sua pena. Custe o que custar.

domingo, 14 de outubro de 2007

Personagem Banal




Enquanto a espera aguardava na sala ao lado, ele preparava as circunstâncias para o bom negócio. E tudo tinha o seu necessário tempo. O personagem que controlava tudo estava mais calmo e iria pensar nos próximos passos a tomar, a decidir. E poderia ser uma historinha singela, uma dessas que ninguém lembra e, por isso mesmo, ingressa despercebida no fundo da alma e marca seu ponto na memória. E dois ou três anos se passaram e aquela velha imagem - que parecia completamente perdida nos arquivos - volta com força visceral. E era exatamente essa força que o personagem buscava. Como qualquer um que almeja ser bem reconhecido na vida, ele imaginava ter vontade de trabalhar bem e ter condições de produzir obras de arte. No fundo da alma dos negócios era exatamente essa sua grande ambição. Seria ingênuo imaginar que no mundo da arte não existe lugar para os gananciosos. Mas o personagem não fazia esse tipo. No fundo sua alma é boa. Ele percebe bem o sofrimento de todos e se esforça - sim - dentro de suas limitações em resolver os problemas do mundo. Mas tudo fica tão distante quando se trata de assuntos difíceis. E ele retorna a velha realidade de sempre. A espera aguardava na sala ao lado. Não era tempo para pensar em assuntos banais.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

A Eterna Compensação


Fim do dia a fome pega o sujeitinho desprevenido e alimenta forte sua barriga. Pior se for no happy hour do pessoal do trabalho. É chopp e chopp e a barriguinha fica longe, bem longe, de ser tanquinho. Por isso resolvi aderir ao feitiço de Santa Endorfina e faço três vezes por semana aulinhas de musculação. Abdominais para começar, bíceps, tríceps, ombros, costas, pernas para que te quero. E assim vou modelando meu corpinho como se fosse astro do basquete internacional. Mas a verdade não é essa. O chopp, o vinho, o trago e a guloseima continuam presentes no meu cardápio. O velho assalto a geladeira, também. São nacos e nacões de queijo colonial. O adorável parmesão feito nos recantos de cima da serra. Para compensar esses nacões da vida, preparo deliciosas rúculas, alfaces e agriões. e mesmo assim, meu colesterol está elevado, além do normal. E apelo, rezo enlouquecido, para a Santa Endorfina me dar uma força, uma forcinha para mudar meu hábito de vida. Os vícios que a vida impõe são praticamente insanáveis. Os viventes vivem na eterna compensação. Uma porção de batata frita corresponde a duas voltas no parcão. Um gole de vinho tinto, corresponde a 20 abdominais. E assim vai. É tudo muito muito, muito desproporcional. Os medidores, os dietistas, os médicos especializados deveriam inventar novas fórmulas. Vão estudar, desgraçados, criem novos métodos. Sei lá, façam alguma coisa.
(a tela acima é de Edward Hopper)

domingo, 7 de outubro de 2007

Antes das Dezoito e Dez


A estrada que vai para a serra é sinuosa. Ela é estreita e o acostamento é muito curto. A chuva começa a cair fina e a tormenta logo desce. Por um instante, o granizo bateu forte no vidro. E a tempestade passou exatamente no meio da ponte que divide as regiões. Em seguida, o veículo ultrapassou caminhões, carretas, jamantas deixando tudo para trás. Era necessário chegar antes das dezoito e dez. A cidade de cima da serra se aproxima e o hotel era o mesmo da última vez no canto da estrada. O recepcionista foi claro e direto: não temos televisão a cabo. Não houve outra alternativa, deixar as malas no quarto e tomar o rumo do centro. Finalmente, na rua principal está a lancheria Super X que tem tv de plasma. Os torcedores estavam todos esperando. A cerveja já estava rolando. Dezoito e Dez em ponto, hora do pay per view da 20ª Rodada do campeonato.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Escolhas Perversas


O homem branco pegou a Venâncio em direção ao HPS. Parou na sinaleira. Na faixa de segurança um homem negro de bermuda e uma prótese de titânio na perna. Caminhava direitinho, com tênis e tudo. Nem mancava.
O homem branco pensou: se eu tivesse que optar entre perder o braço e a perna, preferiria perder a perna.

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Na cama da noite, o homem branco perguntou para a mulher branca. Se você tivesse que escolher um pecado capital, qual deles você escolheria? Ela, magrinha, disse: a gula. Ele, gordinho, optou pela soberba. Soberba faz um homem não ter amigos, avisa ela. Gula faz o homem explodir de tão gordo, defendeu ele.






quinta-feira, 4 de outubro de 2007

A Multa


Fui multado porque passei a 41 km quando deveria ter passado a 40 km. E a estrada estava bloqueada. Percorri quase 100 km a toa. Perdi tempo, dinheiro e, ainda, fui multado. Vou recorrer a deus para iluminar meus caminhos, porque a justiça dos homens vai ratificar a multa. O Estado está falido e precisa de muita graninha para tocar o elefante branco que ele se transformou. E eu com isso? Ué, passou a 41 e o limite é 40, tem que pagar a conta. É tudo preto no preto e branco no branco. E lá vai mais 200 reais para as burras do Estado tocar a máquina pública, pagar as pensionistas, os aposentados, os salários dos servidores e dos mensalões. E lá vou eu pagar a injusta (ou justa?) conta.

Circunferências


Ele socorre sua própria esperança ouvindo os murmúrios da noite bem escura. O silêncio se ouve forte e não cede para ninguém. A noite é escura mas a sala está bem iluminada. No clarão do fogo ele elabora imagens esperando alguma resposta finita ou infinita. Um calor solitário surgiu no canto da fonte, iluminou o espaço oculto e serviu como regra para todo o sempre. E mais uma vez ele tentou de todas as formas conseguir o objetivo restrito aos bons de alma. Nunca é tarde, pensou. Nunca é cedo, imaginou. Mas tudo corre e tudo cresce num determinado momento. E diante do paradoxo das luzes ele tenta brilhar sozinho no meio de um palco que não existe. Como a vida parece ser breve ele aproveitou para seguir na linha como sempre fez. Algum motivo oculto, não se sabe de quem nem de onde, o impediu de rever as estrofes que ele mesmo fez há muitos e muitos anos. Ele perdeu sua própria memória, não se lembra de nada mais, apenas tem um certo pressentimento de que tudo pode acabar momentaneamente, mas ele está embriagado pela paixão da mesma mulher. A amiga íntima e oculta que está sempre ao lado, aconchegando com carinho sua cama solitária.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Novos, Velhos e Antigos Detalhes


Percebi, hoje, que a vida é mesmo muito mansa. A gente é que se estressa por bobagem.
Pensei nisso porque fui buscar uns papéis que estavam perdidos no mundo das prateleiras e eram documentos antigos de muitos anos, do tempo que eu admirava outros detalhes. E li todos os pensamentos daquela época e pude, afinal, constatar que minha vida era exatamente outra, muito distante da de hoje. Percorri todo esse tempo para chegar agora e perceber -- ainda que não muito tarde -- o colapso de tudo. O sinal está posto e não tenho outro tipo de conexão. O diálogo dialógico transcendente está encerrado comigo mesmo. Ponto final. Alternativas possíveis? Sei lá. Busco, então, mudar minha filosofia de vida, meu status, minha psiquê. Não vai ser fácil, não vai ser não! E lá me vou, por um novo período, à procura de novos detalhes. Novos, velhos e antigos detalhes, mas ainda novos.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Quando tenho Pressa


Passo rápido pela porta branca e a cidade se abre volumosa. O engarrafado olha para os lados sempre atento ao sinal. Nada anda, tudo se estabelece. E o tempo passa e o compromisso é imutável. É aquela hora marcada e, se não chegar, é intempestivo, precluiu, prescreve. Compromissos miseráveis dos nossos complicados dias. Penso na aposentadoria futura. A vida como vaso de flores. Tudo se estabelece e a corrida fica menos cara. Será?
(acima serigrafia de Paulo Amaral)

Quando a Virtude Floresce


A virtude que se vai e se acaba
Não se desanima tão só
Ela acalma o preconceito da fúria
E esnoba o fascismo da pessoa ridícula


Quando todo mundo pensa que ela está morta enterrada
Já chega a primavera - ela brota devagarinho, pequenos ramos de frutinhas
E a casa fica decorada com iluminação de ouro e prata - viva e altiva
O alívio colore o espaço e a vida segue no labirinto das vicissitudes

( A pintura acima é um tríptico, cidade vazia, de Paulo Amaral)


Quando o computador não é teu amigo


Ontem escrevi alguns detalhes sobre um poema que pesquei de outro Blog. E essa notícia já saiu do ar. Irrecuperável. Hoje nada encontrei. Ele simplesmente sumiu. Procurei por todos os cantos e lugares, nos labirintos do meu computador e nada encontrei. Simplesmente perdi. Era um texto sobre amizade que morre e nasce. Sobre o amigo e a amiga que passeiam de bicicleta com a trilha sonora de rain drops keep falling on my head.

Dá uma raiva tão grande quando se perde um arquivo ou um texto no computador. A gente pensa que salva e ele não salva. Ou a gente pensa que ele não salva e essa geringonça acaba salvando. Que raiva!

Eu vi


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