Buscando não se sabe bem o quê.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A Volta do Inspetor




Faz tempo que o inspetor não aparece, mas ele sempre está por perto. Ele comprou um novo binóculo com tecnologia 3G e visor HD. Nossa, r-e-a-l-m-e-n-t-e é uma coisa de louco. O inspetor está tri contente e deixou de lado aquela cara de tristonho e carrancudo. Dizem até que ele está namorando e está sendo chamado de venal por um neurótico da vida. Mas dizem tantas coisas por ai! O inspetor feliz da vida continua anotando tudo na cadernetinha que leva consigo e guarda bem guardadinho no bolso de sua capa bége, estilo detetive Columbo, todos os movimentos de todos os seres humanos. Quem diria, aquele ser que ninguém dá a mínima pelota, é onipresente, onisciente e também onissapiente. Esse inspetor é mesmo muito poderoso. Não dá para comprar briga com ele. Ultimamente ele tem seguido os passos de certas pessoas que se acham o hit dos hits. E está tudo anotadinho ali na cadernetinha. Portanto, tenham cuidado com seus atos, porque o inspetor continua monitorando a vida de todos e com binóculo turbinado. Além disso, ele anda feliz da vida....

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Anamnese




Somos coadjuvantes da mesma atmosfera. Somos personagens hipócritas que aparecem coloridos e digitalizados na tela plana. O cristal é líquido e a imagem parece perfeita. São seres vivos que respiram. Viu só? Eles dizem tudo. As rugas aparecem. Os cravos também. Incrível, eles entendem a nossa língua. Em caso de dúvida aperte o botão. Em caso de enjôo tome o comprimido. Em caso de fugir das regras faça o contorno e volte. Observe as recomendações do GPS. A voz macia e rouca diz para dobrar à direita depois do segundo poste. É ali que o cachorro ergue a perna direita para mijar. Seu dono recolhe as fezes com saco plástico na mão. O carro percorre perfumado a rua clara de natureza escura. O passeio é mais longo do que se imagina. A viagem talvez esteja próxima do final. Ou estamos falando do início? Ninguém sabe, ninguém viu. Fica todo mundo confuso nos horários de verão. A canção toca mais cedo no rádio. O chefe vai para casa logo. E eu vou beber alguma coisa no empório que abriu. Sei de tudo e mais um pouco, diz o meu amigo. Eu concordo com ele. O controle é nosso. Basta apertar a tecla correta. Domina quem sabe a linguagem. Basta seguir as regras. Tudo requer cuidado e civilização. De chapéu na mão o velho mendigo recolhe latas vazias. Ele pisa forte e elas ficam pequenas. Menos espaço na sacola. Tudo se adequa ao seu lugar, inclusive eu.

Ela Me Trocou Por Um Venal - II




Ela me trocou por um venal e hoje estou aqui límpido e gracioso. Bem feito para ela. Bem feito para mim. Não sei onde ela anda hoje. Mas hoje estou aqui. Dela não tive mais notícia. Talvez tenha se casado com algum estrangeiro, ou forasteiro. Talvez continue circulando pelas mesmas calçadas. Talvez. Não estou escrevendo isso para falar dela. Não me importo com ela. Ela se foi. É passado. Hoje estou aqui, reluzente e charmoso, olhando a vida pela janela. Ela me trocou por um venal e isso fez muito mal para ela. Como sei disso? Simplesmente não sei. Eu sei que para mim foi bom. Eu consegui olhar para mim mesmo de outra forma. Consegui mergulhar na profundidade dos meus encantos. Aprendi a me amar de uma forma diferente. Ela me trocou por um venal e hoje eu me tornei venal. Eu me vendo pela santa grana que paga minhas contas. Ela propicia meu alto astral, minha dignidade e conformidade. Eu sei disso, mas não penso nisso. Eu sei que ela me trocou por um venal e eu agradeço. E agradeço muito. Muito mais do que se imagina. Que bom, ela me trocou por um venal. E eu aqui limpo e perfumado.

Redondos e Quadrados




Pedimos dois copos d'água, dois cafés e a conversa iniciou. Eu notei que o cara estava tenso. Suas mão suavam. Ele estava nervoso. Por que será? Ele narrou sua história complicada. Tinha perdido muito dinheiro num investimento que não deu certo e ele queria um auxílio. Li os documentos mais importantes e solicitei esclarecimentos sobre os fatos. A ação judicial foi proposta e ele não obteve êxito. A decisão transitou em julgado. Fez coisa julgada. Talvez tenha havido falha do mandatário, mas ingressar com processo contra o advogado é sempre meio complicado, porque o erro tem que ser crasso e determinante para o insucesso da demanda. Não era o caso. Quando a Justiça - com J maiúscula -- decide que o redondo é um quadrado. Não tem mais jeito, o redondo se torna quadrado mesmo que ele continue redondo. Seria o caso de uma rescisão da sentença, mas os requisitos necessários não estariam presentes no caso. A não ser que ele investigasse os fatos para verificar a existência de possível fraude. Ele ficou de fazer isso. Concordamos em agendar novo encontro. Nos despedimos e o homem com seus documentos saiu porta a fora a procura de alguma esperança.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O Jogo da Vida


Ele me liga: pai eu quero o jogo do Spore.
Spore, o quê, meu filho?
O jogo do Spore.
O que é o jogo do Spore?
É o jogo da vida, pai!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Ela me trocou por um venal




Meu amor desceu ladeira abaixo e me trocou por um venal. Eu não posso mais ficar aqui deitado, mofando os versos de uma paixão descontrolada. Eu prefiro ganhar espaço no tempo da minha desorganização. Preciso encontrar o meu entendimento.

Uma simples pausa para acalmar, um gole de água, dois goles de água e o tempo necessario e suficiente para pensar em ir além. O que fazer, então? Disco os números do celular. Alô, sou eu, tudo bem? Ontem você saiu tão perturbada daqui, levou a sacola, te liguei a manhã inteira e você não respondeu. Hoje é sexta-feira, a noite tá chegando.... O que está havendo? precisamos conversar. Tá bom, me liga um dia desses. A gente conversa. Tchau.

Deu, acabou, terminou. Era a bomba que faltava. Ela me largou por um venal, um cara simbiótico e pegajoso que mais parece um parasita que nunca leu nada de interessante. Um ser que frequenta shopping e faz cursos de malhação. Não acredito! como é que ela foi me trocar por um cara venal como esse?

O amor que tu me tinhas virou cacareco. Eu pertenço ao teu passado, mas tu estás tão presente..... Durmo? Não durmo? Saio? Não saio? Não consigo ler. Não consigo reler. Não tenho saco para ficar na frente da tv. Escovo os dentes, penteio os cabelos, tomo banho e escovo os dentes, penteio os cabelos. Fico nu no espelho, visto cueca, calça, camisa e tênis. Largo o espelho. Sigo o curso da rua. Ladeira abaixo. Eu me encontro. Lá eu encontro ela. De sacola na mão pronta para ir para a casa..... do venal.

Posse maldita e intragável que sempre questionei nas minhas teses carnavalescas. Maligna propriedade. Ontem ela era minha, estava aqui abraçada e sussurrando comigo os amores de Baudelaire. A gente se abraçava com tanta força, com tanto tesão, com tanta disposição e adormeciamos sagrados. E agora ela escapou ladeira abaixo e me trocou por um venal.

Que ódio eu sinto de mim. Por que fui tão bonzinho? Por que fui tão malvado? Por que sou tão desajeitado? Sim, minha timidez espalhafatosa foi a causa da circunstância. Foi sim, eu sei que foi, não mostrei para ela a necessária segurança. Talvez eu seja verde demais, tonto demais, zonzo demais, insosso demais. Talvez eu seja provinciano demais. Talvez eu tenha mau hálito, chulé, cacoete, asa, papo esquizofrênico, talvez minha casa cheire a bolor. Talvez eu seja um mofo, um ranço e por isso ela me trocou por um venal.

Lá vou eu - cheiroso e perfumado - descer ladeira a baixo a procura de algum sentido. Lá vou eu me esconder nos labirintos de uma cidade que eu pouco conheço, que não me pertence. Lá vou eu tentar encontrá-la nos porões da madrugada. Lá vou eu frequentar de novo as casas vazias, os amigos inconseqüentes, os amores que perdi. Lá vou eu de volta.

Monorrítmico



Escultura hiper real de Ron Mueck



Está exposto no meio da galeria o corpo do homem que voa. Ele foi cooptado pelas modernas tecnologias e capturado pelos selvagens de hoje em dia. Ele se multiplicou, mas sua forma permanece intacta. Na verdade, ele é o mesmo. O múltiplo mesmo.

Ela chega e vocifera com voz apertada: ele é feio, barrigudo, muito velho, ele cheira mal, ele fede como cachorro do mato. Eu juro que não entendo nada. Fico na minha. Contemplo sempre distante a imagem souvenir que vai ser cuidadosamente embrulhada para a noite de natal.

Ela insiste, ele adquiriu a forma delas, ele é um estrago, um sonso, veja suas asas soníferas! Eu não resisto, e largo o chavão habitual: ele é vítima das circunstâncias. Ela não me conhece, mas me olha como se tivesse visto uma assombração.


Mas ela não pisca e nem replica. Ela fica ali parada demonstrando sua pequena amargura. Ela parecer ser do tipo que fica na dela. Eu faço o estilo de ficar na minha. E o silêncio da música de elevador toma conta da superfície plana do planeta.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Irina





Irina é uma mulher sem graça. Ela é baixinha, gordinha, sem charme. Ela é avó. Uma querida avó. Irina satisfaz os homens como poucas mulheres. Eles fazem fila para sentir sua mão suave. Ela sabe fazer o movimento certo. Depois ela limpa tudo com toalha de papel. O trabalho está feito. O desconhecido está do outro lado da parede. Teve ter saído para a rua. Irina aperta o botão vermelho para recomeçar a sua nobre tarefa. A fila é longa e a grana curta.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Memória Salva




No teu seio de água doce eu manifesto a sede do amor sincero. Eu li teu texto de uma infelicidade bonita e senti nos olhos aquilo que eu sempre evitava. Uma pequena gota dágua escorreu e umedeceu as lentes do velho óculos. Tive que retirá-lo para limpar e novamente enxergar os meus afazeres. Estou com preguiça hoje em dia. Não perdi a graça da vida, porque ela é nobre, mas o passado passa te observando e ele um dia chega ao teu encontro. Por mais que a gente delete certas passagens, elas voltam num belo texto de um blog ou por vias perpendiculares, como se fossem automóveis carregados de imagem antigas que cruzam avenidas solenes. No retrovisor da vida vivenciamos a imagem que esquecemos. Ela está lá, sólida e tempestiva. Automaticamente acelero para esquecer. Mas hoje resolvi pisar no freio e contemplar o passado que ficou perdido na confusão da minha memória. Salvei a imagem como foto no meu computador. Ela está ali, límpida e arquivada, e se incorporou definitivamente na minha narrativa.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Match Point




Eu dei uma surra no filho e o pai me convocou para um duelo. Têm pais que não se interessam pelas histórias dos filhos. Têm pais que se interessam demais. Ganhei do filho, mas perdi do interessado pai. O mestre aplaudiu o jogo e o game terminou por 6 a 2.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Aeromantes






Somos astronautas. Investigamos o destino dos anjos. Imanentes vislumbramos a noite estrelar. No calor do metal resistente experimentamos a escuridão fria do universo claro. Nosso sentido compensatório bate vazio. A alma resplandece como lua sagrada. No altar de nossos desesperos juramos clemência por culpa de nossas piadas malditas. Morremos de tanto rir e depois brotamos e colhemos a necessidade da fome. Na partilha talhamos, segundo nossas regras, o pedaço de gomo que brota da gema. Demarcamos o vácuo da nossa irmandade. Gotas que caem no pão são pedras que caem no piso seco do alumínio. Temos sede de água e atraímos e depois sorvemos o líquido da lágrima histérica do nosso sonho ornamentado.

Senhor Capitão


Um capitão não pode perder rumo e nem graça e deve abraçar o leme para cruzar solene os labirintos do ignorado. Um capitão de boné à vista não deve desprezar e menosprezar tudo aquilo que ele fez e construiu. Um capitão de amor próprio tem voz forte e rouca e deve demonstrar segurança e consciência de si mesmo. Um capitão sincero e gentil deve ter muita vergonha na cara e não pode ficar por ai contemporizando o significante do significado. Um capitão de poucas palavras não pode ser um político e nem mesmo um diplomata, ele tem que partir para a luta, mostrar a cara, dizer porque veio e mostrar para todos sua voz firme e audaciosa. Um capitão das gentilezas não pode passar a vida brincando de barquinho, jogando baralhos e falando de mulheres, porque a existência não é apenas uma forma de passar o tempo. Um capitão embriagado de razão necessita afastar -- certas vezes -- "o rum da vida", o cálice afrodisíaco que muitas vezes toma conta do ser imaturo e indefinido. Um capitão que valha a pena tem de ter palavra de homem honesto, deve rir quando tem de rir, deve ficar bravo quando tem de ficar bravo e deve ficar maluco quando a hora exige certa loucura. Um capitão de prosa e poesia não pode se dar ao luxo de ficar fazendo listas de abobrinhas, de sonhos emoldurados, de pensamentos perdidos ou de escritos pueris.

Eu vi


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