Buscando não se sabe bem o quê.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Assim é




Gosto de dezembro, acredito em papai noel e gosto de natal, a festa da solidariedade. Estou feliz e seguro. E por isso quem escreveu o que está ali abaixo não sou eu. É uma pessoa rancorosa, ressentida, insegura e arrogante. Por favor, não confundam as coisas e nem tenham pena de mim. Um blogueiro também é um escritor que perambula pelos lados da ficção e pode ser tudo, inclusive um amargurado de testa baixa.



Vejam o que escreveu o tadinho.

No meu idioma central festejo as festas do fim de ano. Sou pobre de sentimentos e por isso tenho algum tipo de receio de comprar presentes. Meu guarda roupa está cheio e não preciso de nada. Comprei uma caixa forte para guardar minhas esperanças. Nada de sublime, apenas por precaução. Não quero e nem pretendo guardar comigo o gosto amargo da misericórdia. Por favor não tenham pena de mim, porque eu sou um grande mentiroso. Todo escritor tem algo desse tipo. Minha imaginação vai além das minhas posses. Faço exercícios constantes de dissimulação, porque sou implicante por natureza. Meu ego é do tamanho de um bonde e por isso alimento diariamente a minha cretina arrogância. Faço isso porque consigo me defender. Só sei que estou enredado num grande nó. E quanto mais eu tento desvencilhar das rédeas firmes que me sacrificam, mais eu fico preso nessa imensa teia que me perfura por dentro sem dor. E viciado na estrutura eu permaneço inerte diante das situações. Eu apenas digo e repito, isso é complicado, isso é dificil. E nada faço. E fico parado olhando a banda passar. E ela passa e eu esqueço. Até que um dia ela resolve passar de novo. E tudo se repete. Num vício constante. E assim caminha a vida. Assim a vida é.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Um Psicopata, Eu?



Minha deusa me disse que os psicopatas não sonham. Então eu sou um psicopata. Juro, não lembro de quase nenhum sonho. Quando eu era poeta aos 20 anos, deixava ao lado da cama um bloco de notas e uma caneta para anotar os meus sonhos. Um dia tive um pesadelo, o local era como se fosse a "Dança dos Vampiros" do Polanski. Era uma sala imensa onde as pessoas voavam de um lado para o outro. Não sei se eram pessoas, se eram fantasmas, vampiros ou espíritos que ainda não partiram e circulam por ai nas madrugadas. E eu, o pobre indefeso, estava ali no centro do sarau, agarrado intensamente ao lustre central adornado com cristais de pétalas cheirosas (esse detalhe eu lembro bem), o que queriam afinal aqueles seres fantasmagóricos? Acordei e corri para o bloco de notas anotar as minhas sensações. Infelizmente meu caderno se perdeu nas gavetas do meu passado. Lembro de ter sonhado coisas banais como ir para o trabalho sem sapato. Quando era bem pequeninho tinha um sonho recorrente: a velha senhora de longos e mal cuidados cabelos brancos, que veste uma túnica negra e anda de bengala. Ela desce os degraus do meu prédio até chegar onde estou. Sou um bebê completamente indefeso e inseguro. Definitivamente não gosto de fantasmas, de bruxas, de espíritos e de filme de terror. Por isso não gosto de sonhos e nem gosto de sonhar. E se sonho algo eu esqueço e nem tento lembrar, por isso posso ser um psicopata.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Plágio




Numa estalagem a neve fria do inverno. No calor lá de dentro diversas pessoas que contemplam a mesma mulher nua que está docemente vendada pelo marido de barriga muito grande. Não se pode tocar muito. Só um pouco. Nada além da conta.

Inspirado no post "Noite Fria Com Neve" do Terráqueo

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Fenda


Estou preso na condição de que os erros do passado não mais se repetirão. Essa é a minha catequese, o processo do meu aprendizado. Até onde vou? Assim invisto em outros focos de vida. Faço curso, prego palavras em vão, discuto simbologias domésticas, alimento meu corpo com novos ingredientes. Dizem que passei por uma revolução molecular. Tento reverter, até onde for possível, as diretrizes que tracei para a minha sobrevivência. No fundo, tudo continua o mesmo. Os objetivos continuam idênticos. Apenas a forma é que mudou. Minha obrigação não é de resultado e nem de garantia, mas de meio. Faço, então, tudo o que for possível para conquistar melhor os sucessivos objetivos. Meu barco é uma pequena caravela que sente profundamente os ventos do estibordo. No meio dos redemoinhos procuro os melhores desvios. Certas horas encontro paredes lacradas com as cores da negra tempestade. A embarcação tenta suportar as pressões humanas da natureza até que na hora H -- no momento em que a esperança quase desaparece -- é possível encontrar uma pequena fenda que parecia fechada. Ela surge do nada, aberta. Sou um sujeito de sorte, porque sempre consegui encontrar alternativas. E diante do que é complexo penetro - com o prazer da hora e com razoável facilidade - nas entranhas licorosas da salvação. Tudo é questão de linguagem e aprendizado. Uma vez me disseram, não podes dar azo ao azar. Mas corro pelos bosques escuros, navego pelos rios das tormentas, mantenho conversas com marginais obscuros, porque assim sempre fiz, gosto de apostar. Uma hora o buraco luminoso da salvação pode sucumbir. Este será, enfim, o dia do meu aprendizado. Pena que será tarde demais.

Pá Virada




Isso aqui não é enciclopédia, nem wikipédia. Portanto, cuidado com o que aqui se lê. Não me interessa o tamanho da fonte, se ela é confiável ou não. Isso aqui é apenas um registro e nada mais do que um registro. Um mero livro de notas. Quem estiver satisfeito que permaneça no seu lugar, que fique como está. Quem não estiver satisfeito que aperte a tecla del.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Mulheres divinas




Uma poetisa de muito tempo disse que as mulheres devem ser inventadas. Gostaria de ter esse brinquedinho. Quem sabe um controle remoto que tivesse a tecla de pause e stand by? Seria sucesso de venda. Se eu tivesse de escolher algum deus grego para minha catequese eu escolheria Afrodite ou Eros. E inventaria a mulher exatamente de acordo com o dom divino da sensualidade. Quando era pequeno e chegava dezembro, eu ficava olhando a televisão bicolor que mostrava propagandas de mulheres de saia. Elas corriam pelos campos em busca do chocolate perdido. O professor me disse que as mulheres de antigamente eram as verdadeiras donas do lar. Elas colhiam os frutos da terra que eram aquecidos nas caçarolas para alimentar as famílias das cidades antigas. Por acaso a vida hoje é diferente? A mulher não foi inventada e nem reinventada. Ela está onde sempre esteve. No pedestal do lar.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Receita


Subway dreams - Daniel Park


Meu mundo fascinante não merece relevo. Apenas sigo os passos da minha formação. Aqui vivi e aqui estou. E, portanto, não estou preocupado com os comentários que se faz no corredor e nas salas ao lado. Com passos largos e ritmo acelerado percorro o longo trecho até a porta do elevador. Fico cabisbaixo olhando fixo para o chão e ensurdeço. Se alguém me vê eu não olho; se alguém me chama eu fico surdo. A meta é chegar na porta de saída. É por isso que vivo. Tomo o elevador e desço rápido. Passo pela portaria contando os ladrilhos encardidos do velho prédio de escritórios. Minha incorporação sou eu. Ninguém manda em ninguém. Eu mando em mim. Não mando nos outros que fofocam a meu respeito. Eles me chamam disso e daquilo. Eu sei que sou esquisito. No final do mês pago a remuneração com o dinheiro que resta e ponto final. Sou homem de poucas palavras, não faço comentários, apenas determino que cada um siga sua função. E nesse processo eu vivo e colho os frutos para meu franciscano sustento. Chego em casa já cansado do barulho do nada e me debruço na janela que se posiciona para a grande avenida. Sigo os carros com olhar atento e me hipnotizo. Finalmente estou só, como sempre. E adormeço no mesmo sofá que encanta a mesma sala onde meus pais viveram e faleceram. Sigo exatamente as receitas que eles me ensinaram. É necessário ter cuidado com a vida.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A Fulana




Os colegas de trabalho me pediram. Não havia como trabalhar com ela. Criava cizânia, vivia reclamando, organizava intrigas. Mas ela era uma boa profissional. Os colegas me deram um ultimato: era ela ou eles. Resolvi chamá-la na minha sala e iniciei a conversa: fulana, você é nova, você está estagiando, tem todo um futuro pela frente, mas está havendo problemas por aqui e você sabe disso. E fica complicado para mim trabalhar com um grupo desunido. Eu preciso de convergência. Infelizmente, fulana, não vai dar mais para a gente trabalhar junto.

Ela me olhou com os olhos bem arregalados e as lágrimas começaram a cair e se descambou a chorar. E chorava e chorava. Eu, desajeitado para esse tipo de incidente, não sabia o que fazer e o que dizer. E a fulana chorava: dizia, como vocês podem fazer isso comigo? Depois de uma pausa falei: fulana, assimila. Vou te dar mais uma semana aqui, mas assimila.

O tempo passou, a vida continuou. Semana passada encontrei a fulana. Ela disse que estava ótima, que estava trabalhando, que queria fazer concurso, que estava para casar com um Juiz, etc. Eu fiquei apenas ouvindo, escutando o que ela dizia com certa ansiedade. Nos despedimos e cheguei a boa conclusão de que ela assimilou.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Focos Obscuros de Uma Certa Memória




Descobri que existe noite. Que é possível dormir até mais tarde. O gosto do vício que também alucina. A comida que faz engordar. O líquido responsável pela embriaguez. O sabor do fumo que intoxica. A música que leva viajar.Descobri o lado do fascínio. Minha visão e sensibilidade, enfim, atingiram um outro ângulo. Não estava preocupado com o sentido da vida ou com a finitude de tudo, pois era muito jovem. As mulheres e suas saias me interessavam e passava a procurar seios na televisão bicolor tarde da noite, quando todos dormiam. E ficava horas esperando que aquilo acontecesse. E muitas vezes não acontecia. Frustrado, morrendo de sono, dormia. Sonhava como sendo o chefe glamoroso de uma família linda, de médicos ricos, donos de um grande hospital. Imaginava ela maravilhosa, linda, magra e inteligente, tinha até nome. Geramos filhos esbeltos e saudáveis. Todos formidáveis. Mas foi por pouco tempo, porque me desinteressei. Virei rebelde. Passei a contestar. Gostava de discutir. O cabelo cresceu, os tênis sujaram, as roupas ficaram estranhas. Andava de ônibus com a multidão de trabalhadores proletários, o que alimentou radicalmente o meu rol das pequenas descobertas. Comecei a ler entusiasmado os escritores malditos, aqueles que minha turma nunca lia. Anotava as palavras mais radicais. E vibrava com tudo aquilo. Usava nas conversas, debates e discussões. Virei um chato. Percorria as ruas populares e escuras no mais sagrado anonimato. Ninguém sabia, porque ninguém me via e eu não contava. Ninguém reconhecia, porque eu estava disfarçado. Era sempre tarde da noite.Depois dormia e sonhava. Não sei quanto tempo isso durou, porque não lembro mais de nada. Apenas pequenos fragmentos que eu ainda descubro em alguma prateleira que deixei aberta.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O Mundo Sobre Mim




Fui um menino que tinha vergonha de pedir licença para ir ao banheiro. E me borrava nas calças e o cheiro invadia a sala de aula. Todos se olhavam e a peça acusatória corria contra mim. Ficava vermelho de pura vergonha e saia torto em direção a porta enquanto o pessoal ria. E a diretora chamava mamãe que estacionava seu volks na porta da escola e vinha com uniforme novo para eu vestir. Voltava para a sala acabrunhado, fechado em mim mesmo, contando as horas para o tempo passar e voltar para casa, para o coração do meu quarto, onde eu podia dominar o mundo.

O mundo era eu. Eu pensava que o mundo funcionava apenas ao meu redor. Todos faziam parte de uma grande encenação, onde eu era a figura principal. A realidade só existia na minha presença. Eram todos coadjuvantes da minha vida. Existiam os bons atores principais, aqueles que faziam parte da minha família. Existiam os coadjuvantes que eventualmente participavam da minha vida. Sempre quis encontrar os bastidores dessa grande encenação. Procurava nos cantos, nas portas, nas esquinas uma brecha, onde eu poderia descobrir essa falsa realidade. Queria passar para o outro lado, mas nunca conseguia.

Um dia me dei conta que a vida é muito mais complexa do que eu imaginava. Cada pessoa tinha sua própria vida e o mundo não mais me pertencia. Não havia teatro ao redor da minha pessoa, não haviam atores principais e nem mesmo coadjuvantes. Todos eram atores principais de suas próprias vidas. Juro que não fiquei decepcionado, mas aliviado. Os holofotes não estavam acesos apenas por minha causa. Eu poderia circular pelo escuro, sem que ninguém me visse. Eu tinha condições de ter alguma autonomia, sem que ninguém ficasse sabendo. Descobri, então, o lado escuro da vida.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Conselhos do Conselheiro




O Conselheiro Sentimental da Revista Caras continua no comando.

Margarida está deprimida e pergunta, o que posso fazer para sair da depressão? Respondo> Querida Margarida, procure levantar cedo e cheirar profundamente o calor da manhã. Busque nas cores das estações o ângulo mais certo. Seja gentil e amável com as pessoas ao teu redor mesmo que elas sejam cavalos ou trogloditas. Sorria porque é bom sorrir. Enfim, busque a felicidade a qualquer preço, mesmo que ele seja extorsivo.

Rapunzel Magoada brigou com seu príncipe, ele disse que encheu o saco, ela precisa de ajuda.
Respondo> Querida Rapunzel, seja como você sempre foi. Fique calma. Repire fundo. Pense antes de falar. Dê tempo ao tempo. Não faça besteira. Não ligue para o seu príncipe. Deixe ele sentir saudades. Não faça nada precipitado. Quem sabe um dia ele volta.

Louca entristecida perdeu a paciência com o marido. Ele não satisfaz suas vontades carnais, ela é fogosa e precisa de conselhos.
Respondo> Dear Louca, se a situação está complicada faça a suprema tentativa: compre uma lingerie vermelha e se debruce sobre ele. Veja o que ele faz. Se ele não der sinal de vida. Desista. Arranje outro.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Onde Está o Super Homem Que Existe Dentro de Nós?





Um bom administrador de vidas, e deus cego é exatamente isso, deve saber aceitar a vida como ela é. Isso pode ser muito fácil, pode ser muito simples, mas não é. Não é mole, é muito duro conseguir aceitar a vida como ela é. Muita gente não consegue fazer isso. E tem gente que acha que sabe fazer isso, mas não sabe. Não estou (please) a defender aqui uma certa índole conservadora. Não confunda aceitar a vida como ela é como as coisas são assim porque Deus quis ou o mundo é injusto, o que fazer? Não estou a defender, com essa minha tese piegas, a manutenção do status quo. Muito pelo contrário, aceitar a vida como ela é significa aceitar a própria existência, inclusive respeitar o ponto de vista das pessoas que estão ao nosso lado. E o ato de aceitar é o início, é o ponta pé inicial para qualquer tipo de mudança. Quem não aceita a vida como ela é está em permanente conflito consigo mesmo. Fica doente dos nervos por qualquer coisinha, respira estresse, colhe brigas e ressentimentos. O vivente que aceita a vida como ela é tem mais condições de mudar para melhor, porque uma forma de organizar melhor o pensamento ( e pensar bem faz bem) é saber aceitar a vida como ela é. Conheço alguns caras que estão chegando na meia idade, onde o sentimento de finitude começa a tomar conta da nossa existência, que simplesmente não aceitam a vida como ela é. E tentam ser o que não são. Formam personagens anacrônicos e imaturos e fazem de sua vida uma grande e irresponsável bagunça. E o momento certo ( ou limite) de aceitar a vida como ela é (sorry por repetir tanto essa frase) é exatamente esse, na meia idade. Administrar bem a vida, reconhecer nossos fracassos e virtudes, procurar corrigir a partir da nossa própria aceitação é a fórmula mágica e secreta de se obter sucesso, emocional, profissional, pessoal. Pronto, posso ser conselheiro sentimental da Revista Caras.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Sobre o Cheiro da Comida do Restaurante do Chinês do Lado.


Aspiro fundo a procura de um cheiro. No meu bloco de notas os compromissos agendados. Coloco os óculos para enchergar de perto. Anoto o que efetivamente é preciso. Estou em fase de economizar movimentos. E o cheiro, finalmente, aparece. Cheiro de fritura. Imagino uma grande panela com óleo até quase em cima e dentro dele nacos de carne sendo espalhados por toda a superfície. Ou pequenos camarões mergulhando na frigideira corroida pela banha saltitante.


De manhã cedo quando chego ao trabalho avisto o senhor chinês voltando da feira. Ele anda encurvado e carrega sacos de carnes, verduras e hortaliças. Seu andar é apressadinho. Os óculos grandes, velhos, pretos e redondos tomam conta de sua face. Ele nunca me cumprimenta. Eu nunca cumprimento ele. A gente simplesmente se conhece.


Um dia, em janeiro, fui ao restaurante do chinês ao lado. Estava com fome e comi pratos e pratos de camarão frito e a noite -- ao me recostar -- fiquei esperando o ronco dolorido do estômago. Nada disso aconteceu, os camarões estavam bons. Nunca mais voltei ao restaurante do chinês do lado.


Talvez no próximo janeiro, quando os deuses da vida estiverem descansando na praia, eu retorne. Por enquanto, aspiro -- meio enojado -- o aroma rançoso da carne ou dos camarões fritando na velha panela recheada de óleo. Penso no verão mormacento da cidade grande. Por enquanto me encolho e procuro alguma leitura um pouco mais agradável. Melhor mesmo é fechar a janela e ligar o ar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Sobre Minha Vã Filosofia


Nasci poeta porque gosto de escrever. Escrevo bobagens e petições. Aprendi a escrever com os dedos. E o mais interessante, aprendi a pensar com os dedos. Eu não vivo sem os meus dedos. Eles são minha cabeça pensante. Eles são muito mais rápidos do que meu cérebro. E tem horas -- juro por deus - que o meu cérebro quer que eu faça uma coisa e meus dedos fazem outra. E eu me atrapalho.

Sobre Um Certo (E Descartável) Celular Perdido e Encontrado




Perdi, meses atrás, meu celular. Tinha um monte de música que captei na páscoa em Buenos Aires. Tangos eletrônicos do tipo dub mix lounge ma non troppo. Procurei o diabo do celular em tudo que é lugar e coloquei a culpa no guardador de carros de uma churrascaria na Protásio Alves que levou meu carro para a garagem do estabelecimento. Mas não fiz nada, porque era apenas um celular, um aparelho que a gente troca como se fosse...... Bem, hoje é tudo descartável, até as relações humanas são assim.

E ontem no calor da madrugada, já cansado dos compromissos do plantão da porta de cadeia, dos hábeas para soltar menores bêbados, esses pequenos delinquentes que assustam as pessoas de bem nas calçadas da cidade, estressado diante dos problemas da vida me postei diante da santa cama e visualizei o maldido do celular perdido. Perguntei para minha deusa sonolenta: amada, que celular é aquele? É o teu que estava perdido nas entranhas do sofá, vai deitar que está tarde. E lá me fui me aconchegar feliz da vida, porque, enfim, não perdi os tangos dub mix lounge ma non troppo da minha coleção.

Sobre o óbvio


Quando deus fica famoso todo mundo reza por ele. Quando deus prega maldição mais fieis ele cativa. Quando deus posa de ar esnobe e autoritário mais cordeirinhos assinam a carteirinha de adesão. Os seres humanos definitivamente não sabem viver.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Sobre o Amor de Maria Por José


Ela se chama Maria. Maria das Quintas ou Maria dos Carmos. Talvez, Maria de Fátima ou Maria do Rosário. Ou apenas Maria. Sim, apenas Maria. Maria é típica. É pequeninha, cabelos bem negros, olhar salteado e bunda grande. Maria de personalidade. Maria de ferro. Maria furiosa. Maria doente dos nervos. Quase ou semi apaixonada por José de Oliveira, assim ele se apresentava. Gajo que ela encontrou nos bares da freguesia. Com ele as coisas corriam diferente. Pelo menos, ele não queria apenas levá-la para a cama. Ela gostava, porque ele a convidava para dar umas voltas, mas não as mesmas voltas, outras voltas do tipo, olhar os prédios da redondeza e falar sobre a vida inesquecível de seus avós e suas aventuras de infância no Minho. Maria não estava apaixonada, porque nunca esteve, mas gostava, porque gostava, de ser levada e protegida pelo guarda-chuva de um homem bom com voz simples e mão molhada.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

living la vida loca




Quando entra no quarto um pequeno arremedo de luz, acordo. Gosto de fumo seco. Olhar largo da minha fabulosa expressão. O silêncio da cidade do outro continente. Ilustre herança dos nobres sentidos. Pergunto, porque gosto de perguntar. Ouço respostas e anoto todas no diário caduco da minha cabeça. O que posso fazer se me esqueço?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Estamos Todos Bem




A má notícia circula pelos telefones. O fulano que jogava futebol com a gente está doente, muito doente. Ele tem apenas 50 anos. Não é fofoca, comentam, é verdade pura. Nossa vida caduca parece que está chegando. E a televisão não vai ser mais em cores, o mundo tridimensional veio para ficar e nele não existe mais espaço para nós que cantávamos canções felizes, porque éramos jovens. Hoje só resta disfarçar o riso. Enfrentar a luta imparcial. Sair para a rua e, talvez, descascar. Espichar o corpo para aparentar que está em forma, esconder as marcas malditas do tempo.

Até que na madrugada, no quarto úmido, em cima de uma cama manca, o homem beija o pé da moça rebelde. Chapada ela nem olha com respeito. Isso irrita e a vingança é um tapa de luva. Desajeitado decide agir delicado. Sutilmente - e ser sutil é obra da idade - pega na mão da bela guria gostosa e esboça um sorriso de cínica ingenuidade. Ela não titubeia e vomita deboche. Ri até ter um troço. O homem ofendido pensa em fazer besteira, mas é contido pelos necessários limites que aprendeu no berço da velha infância distante. Resolve disfarçar em paz. Afinal, estamos todos bem.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Ilustre Tolerância




Tomava chopp com os amigos quando o celular tocou. A empregada varreu o escritório e o wireless caiu. Estão todos sem internet. Ninguém sabe o que fazer. Que se virem, ele pensou. Mas não seria justo dizer algo tão agressivo. Então, com voz morna e suave, disse: estou indo para casa agora.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Descura




Hoje de manhã quando estava na ducha pensei em um texto para postar aqui. Todo ensaboado, da cabeça aos pés, fiquei matutando sobre os termos da postagem. Ruminei inclusive a grande imagem que iria chamar atenção dos agentes desavisados. Os meus parcos e insistentes leitores inglórios. Estava tudo perfeito, límpido e claro na minha cabeça bolorada de shampoo. Mas o tempo passa e a gente se engana.



Do que estou falando mesmo? Não, não quero participar das banalidades do mundo. Detesto quando o mundo todo fica em silêncio ouvindo um contador de piadas. Tenho pretensões maiores. Minha arrogância firme não permite que eu me rebaixe para o mundo do populacho.

Minha deusa disse um dia que gostava dos Filhos de Francisco. Aquilo me deixou tão nervoso. Confesso, fui crítico e áspero. Ela não gostou. Fiquei com remorso e vesti a camiseta de bendito. Sou tecnológico e baixei para dar de presente a música em mp3. Meu esnobismo peculiar impediu que eu entregasse a ela o maldito arquivo que se encontra hoje perdido nos labirintos de meu armazém digital. Nunca mais tocamos no assunto.



Estava mesmo tomando um banho de ducha, já atrasado para o compromisso que tinha às 9. Pensei em postar algo aqui -- era disso mesmo que estava falando -- mas meus entorpecidos neurônios conseguiram complicar e nebulizar os significados das minhas mensagens. O que posso, então, fazer?



Tomo linhaça, quando minha deusa me dá. Engulo - três vezes por semana -- remédio para baixar o colesterol. Faço ginástica, corro um monte, jogo tênis, fico suado até encharcar a alma. Mas me esqueço. Sou esquecido, ora bolas.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Trocando de Planos


Vai uma skull cake ai?


Perdi 12 pilas numa cartada. Só porque não paguei a conta ontem. Fui multado. O homem do plano esteve aqui hoje me oferecendo alternativa melhor. Disse que o quarto pode ser privativo, mas que a carência continua de 6 meses. E se eu tiver um câncer em 2 meses? Ele me olhou cabisbaixo -- impressionante como ele é parecido com meu sogro -- e perguntou se eu tenho alguma doença preexistente. Eu disse que não conheço muito bem o meu corpo e que esses trequinhos podem muito bem ficar escondidos até que uma hora ele se manifesta. Por enquanto não se manifestou. Não sei se ele entendeu o que eu quis dizer. Telefonei para a deusa comunicar as últimas novas. Desconfiada ela disse: tem de verificar melhor, ler o contrato, olhar o site. Foi isso o que ela fez, acessou a internet e deu uma olhada na página e trouxe zilhões de dúvidas. Impressionante como minha deusa é boa detetive. Educada, ela apenas me disse com sua voz de razão: tem que pensar melhor. Liguei para o homem do plano, ele volta na semana que vem, disse que vai trazer o contrato para exame. Minha deusa sabe das coisas.

Descobri




Descobri que não tenho mais 21 anos. Que o mundo é finito. Que o mundo pode estar certo. Que tudo termina. Que a existência é pó. Que os diamantes são eternos. Que eu sempre sonhei. Que eu tive alguns pesadelos. Que eu posso estar errado. Que eu até posso estar certo.Que eu posso estar mais errado do que certo. Que os cabelos ficam brancos. Que as rugas tomam conta da testa. Que as mãos embranquecem. Que as unhas dos pés podem ficar pretas. Que minha vida linda pode se tornar feia. Que a minha voz não é mais a mesma. Que as pessoas podem perder a resistência.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Berlim




Eu disse Tchuss. E ela nem me respondeu. Estava ficando farto do frio de Berlim. Gostava daquele local que tocava salsa. Era ponto de encontro dos latinos. Ali na Kantstrasse. Se chamava.....


Tentei buscar na web o nome do local. Será que existe até hoje? Todos dançavam Samurai no meio da pista. Fazia questão de cantar bem alto, para que todos ouvissem. Mas ninguém escutava. Assim é Berlim.

Apenas um Post




Queridos Sobrinhos. Titio vai viajar. Vai ficar um tempo fora, vai lá para o outro lado do mar. Onde o tempo é outro. Já ouviram falar de fuso horário? Titio vai trazer presente do freeshop para a garotada, viu? E quando titio voltar vai ter sessão de slides.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Robot 50





O Robot 50 descobriu um novo anel perto de Saturno e um quadro do Da Vinci que estava escondido atrás de uma parede num palácio de Florença.
Perdi a senha do Robot 50. Ele anda impossível.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Procuro sombrinhas para me proteger do calor da luz



Minha quentinha não chegou e eu aqui preso. Sentado esbaforido no chão da laje fria esperando o anúncio chegar. Que horas são? Falta pouco ou falta muito. E isso me corta os nervos. Fico tonto de tanto pensar. Preciso de algo, alguma droga refrescante que me faça dormir. Um pequeno drops para aliviar minha boca mal cheirosa. Estou pressentindo o perigo em todos os lados. Meu olhar atento se confunde com minha prejudicada audição. São vozes e cheiros incômodos que vêm de todas as partes. E eu atravessado no porão de uma cela cerrada, sem portas, sem vidros ou janelas. Quero grades para segurar. Um alçapão para ouvir o som da madeira batendo. Porque perco os sentidos, minha boca está seca. Não tento, porque não consigo balbuciar. Palavras, elas existem? Ou apenas pequenos significados que atordoam a memória. Esqueci a curva de meu próprio círculo. Não existe tangente, nem núcleo e nem célula. A fome nunca sacia e a quentinha não vem. Soluço diante da inércia do vácuo.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Lolô




Liguei para Doralice, mas não consegui falar com ela. A mulher da operadora disse que o telefone não existe. Fiquei preocupado. Ansioso, tomei o taxi e fui para a Tijuca. Ninguém em casa. Nem mesmo sua vó. Estranho. Deixei um recado, para ela me ligar. O telefone e tudo.

De tarde, em Copa, recebi seu torpedo: me espera que estou indo. Comprei uma camisa e fui para a sauna. De banho tomado corri para a casa. Lá estava ela, toda de dourado. Linda como Gina Lollobrígida. Minha Lolô! disse para ela. Desconfiada ela me olha: Lolô, eu hein!

Acordado




Para aqueles que não querem ouvir eu esboço o meu soluço. Sou sonâmbulo, caminho pela casa na madrugada repleta de chuvas e tormentas. Tudo parece tão sóbrio e isso me faz ficar calmo. Ligo a rádio AM e escuto a difusora. O radialista diz que o temporal está forte. Eu ouço em silêncio abaixando o volume do pequeno equipamento. O samba de Clara Nunes reanima minha vida. Volto aos lençois pronto para o dia que está por vir.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Triste




Mãos masculinas carregam as aldravas douradas da caixa pesada. A vida é finita e ficamos perplexos diante do fim. Os espíritos silenciam. E proclamamos nossas orações de olhos fechados. Temos de acreditar em algo. Guarda-chuvas acompanham o ato. Alguns choram outros não. Os pingos caem no final da tarde. Eles engrossam. O silêncio é absoluto. O frio acalma. A pá espalha cimento sobre as aberturas. As flores são expostas sobre o túmulo. E todos se vão. Fica o corpo. Ficam as cinzas. Fica a vida que já existiu.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Um Dia a Gente Descobre


Por favor, a senhora do 208.
Ela saiu?
Foi para o aeroporto?
Obrigado.
Ela foi embora, porque descobriram
que toda malvada é psicopata.
Dizem que ela foi para Portugal.
Que comprou apartamentos.
Sei lá.

O Implicante - Parte Um ou Parte Única




Fui pego pela implicância. Ela me liquidou. Fiquei chato, acabrunhado, quase casmurro. Sou um implicante. E sou um implicante mordaz, insensível, aquele que não sabe parar quando deve parar. Sou um implicante chato. Desde pequeno fui assim. Um pé no saco.

Sinto vontade de implicar, deixar as pessoas furiosas, criar casos inconsequentes, ciladas manhosas, cizânias inverossímeis. E quando as pessoas entram nas curvas das minhas artimanhas. Elas sobram. E eu berro de gargalhada.

Falo isso agora aqui sozinho no meu apartamento vazio. Ele está cheio de memórias que eu guardo aqui dentro. Resolvi colocar para fora aqui no Blog. Porque um dia eu pego aquela gatinha.

domingo, 30 de agosto de 2009

Dom


Estou nem ai para a malandragem. Não quero saber de sacanagem. Sou apenas misecordioso. Acredito na utopia da solidariedade. Sou gentil, sou bom, sou a convergência do universo.


Não acredito na rapaziada, de alma marcada de som e amor. Não gosto de samba, de rock e de tango. Não gosto de nada. Gosto apenas de mim. Sou seboso, eu sei. Infernal nas horas vagas. Sou perfumado porque gosto de cheirar bem. Desafio qualquer um -- e qualquer uma -- a me conquistar.


Sou apenas a regra, a regulação, o limite. Não sou santo, nem diabo. Apenas um homem comum. Que mora onde todos moram e sonha o que todos sonham. Sou o consenso de tudo. A evidência do nada. Sou sexo, misterio e dom.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

São




Uma alma minguada - pensou: uma alma minguada. Quem sabe dar tutti-frutis para as crianças? venenos para andorinhas? A inusitada história que contavam dos pintinhos degolados enfeitando a árvore de natal. Ele curiosamente leu o título do livro embalsamado. Era sobre virtudes. Quem se interessa por assunto dessa ordem? Bom mesmo é esperar o balanço do dia. Quando chove e fica tarde. Quando a escuridão toma conta. Quando ninguém consegue se ver. Muito menos enxergar o que os outros sentem. Nessas horas ele sempre percebia que estava são.

Ele é acusado de insensível, de tolo, de manso, de fraco. Um dia aprendeu: não se busca soluções nas horas vagas. O que se pode encontrar, num acaso de sorte, é apenas uma pequena e insignificante resposta. Quando a autoridade chegar se utiliza a mesma indagação. A rotina de sempre. Verifica as condições do peito, os batimentos, a carga de pressão. Está tudo pronto, quase perfeito. Receita o remédio que não cura, mas que alimenta a insônia. Pronto, agora pode dormir satisfeito.

Encostou a cabeça no travesseiro, se postou na posição correta de frente para a grande janela. Apaga a luz do abajour. Admira a paisagem dos relâmpagos que iluminam o quarto criando um clima estarrecedor. Não é sonho e nem pesadelo, apenas vida. Nada mais do que vida. Sensação de que está no quarto errado. Toca no lado esquerdo da cama. Toca mais, toca bem. Não existe bunda, nem nádegas. Apenas travesseiros. Não existe nada de humano por ali. E ele se deu conta, está, enfim, só.

Suspira aliviado e procura o hipnotismo sagrado do sono. E o cardápio surge. As opções são muitas. Têm as entradas, os primeiros passos, a parte dos sonhos, histórias antigas, novas e que não aconteceram. E no 'grand finale', na hora dos doces, no início da manhã, quando tudo está aparentemente calmo, a desanimadora parte dos pesadelos. Claro, ele lê no manual, você pode optar por acordar mais cedo. É só seguir o conselho do livro de instruções.

Diz a experiência de vida que é melhor assim. Justamente por isso os ingênuos, que somos nós, iniciam a beber a espuma densa do esquecimento e muitos resolvem ir além. Era o caso. O rápido movimento dos olhos atinge o clima máximo. São espectros de pessoas que passam pelo ser vivente em busca de uma alma minguada. Ele fica cabisbaixo, em posição fetal, acolhido pelas cobertas já manchadas de tanto suor. Nessa situação de profunda agonia e de prazer incômodo ele resolve esticar a mão e sente um calor súbito e, com ele, um pequeno toque no seu indicador.

Ele sempre se lembra, nunca se abre os olhos numa hora dessas, apenas se acorda. Mas quem disse que o corpo quer acordar? Sublimes são as horas em que não se pode vencer o medo. E numa paz gloriosa ele cede. Parece não haver alternativas. Tenta adivinhar o dia de amanhã, o de ontem, o de hoje. Tenta respirar e, portanto, suspira. E o toque não é mais tão pequeno. Ele sente o abraço, o beijo que excita, o cheiro nobre de um corpo jovem. E ele está pronto, porque está jovem, para a primeira relação. E se entrega ao vício indisciplinado que balança e sacode. Até chegar ao climax do gozo perene.



Por fim, satisfeito ele abre os olhos e o lustre está aceso. Sua posição e a mesma. Não é dia e nem noite. É apenas um quarto fechado com luz opaca, onde ninguém tem forças para vencer os obstáculos que levam até a porta. Ela está aberta para o lado de lá. Não está frio, nem quente. Nem claro e nem escuro. O importante é conseguir reunir as forças para vencer as barreiras. A saúde está dopada, as pernas fracas.Tudo está tão tonto e desequilibrado. A solução parece vazia. É preciso vencer o desânimo. Esmorecido se atira, num ímpeto suicida, para o lado do desequilíbrio e consegue vencer um passo. E consegue embalar, dá dois e até três. E subitamente se sente leve e bem. E percebe o fato.



Era cedo do dia e fazia frio. De pé, ele sente arrepio no seu corpo molhado, onde mergulha num abismo de satisfação. Sabia que estava no fim, mas sentiu felicidade por estar ali, com odor de jovem impuro, portando um pijama sujo, mas de cheiro muito nobre. Ainda sentia nas mãos, no pulso e no corpo o calor sublime da jovem encantada que havia se deslocado de uma infância distante para satisfazer os seus desejos escondidos. E nessa hora ele percebeu que continuava são.

O Herói, a Bruxa e Minha Omissão


Meu herói, dizem, foi omisso. De noite, distante, e de barriga para cima eu monto o quebra-cabeça dos fatos. Querem que eu acabe de vez com a malvada. Que eu diga um comentário sujo a respeito da bruxa. Pois bem, eu digo: ela é equivocada, não sabe administrar sua vida, pessoa desorganizada emocionalmente e vai continuar sempre sozinha. Depois me indagam: por que não disse isso antes, por que foi tão omisso? Eu respondo, porque a vida é também administrar relacionamentos. Era assim que ele queria e isso deve ser respeitado. Meu herói entrou nessa história porque ele quis. Ele foi avisado (não por mim), mas preferiu seguir os conselhos de quem o isolou. Ele foi ator e vítima do episódio e hoje ele está deitado, relembrando apenas as velhas memórias da casa grande que abriga seu quarto. A bruxa foi embora e ele está ali olhando para o teto, confundindo lustres e tijolos, preocupado com a saúde dos netos e o bem-estar dos filhos.

Bah, Deixa eu ser Brega

terça-feira, 25 de agosto de 2009

O Rei e as Rainhas




Meu herói está deitado. Sua cabeça está confusa, porque ele esquece. Ele não se lembra do que eu disse hoje. Ele não se lembra do que fez ontem, nem anteontem. Ele está em casa, mas pensa que está no hospital. Ele reclama pelo telefone. Mas ele olha sereno para o filme de 1953. Quem são as quatro atrizes que contracenam com Clark Gable no filme The king and four queens?


Faço essa pergunta para ele. E ele me responde com voz esquálida e com razoável dificuldade: Eleanor Parker, Jean Wiles, Barbara Nichols e Sara Shane.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Depósito Eletrônico


I.

Doralice sai sempre de casa porque gosta de sair. A turma toda acha. Aliás, eles não acham, eles têm certeza de sua ambição e esnobismo. Sempre foi infinita e nunca dava a mínima para os maninhos do bairro. Um dia Dengosa - a gente chamava ela assim - arranjou um namorado. Um cara de fora que a tratava de florzinha. Ele tinha grana e ela sempre gostou de caras com grana, com carro, com tudo. O namoro não foi longe, porque não deu certo, ela disse. Mas ela continuou saindo, visitando outros bairros, perambulando com outros caras. Uma tarde de sábado com tempo fechado no Méier, fizemos uma festa de São João. O dia estava cinza e não tinha nada a fazer e Dora apareceu por lá. Tomou cerveja, conversou e me namorou. Ela dormiu na minha cama.

II.

Cabelos largos, doce, quente, cheirosa, seios perfeitos, coxas lindas, calcinhas pretas, sem soutien. O foco do celular está perfeito. Enquanto ela dorme, imagino que faz poses. E guardo para mim as imagens de tamanha conquista. E se alguém duvidar eu tenho elas aqui. Comigo. Capto seu perfil, de cima, de baixo, do lado, do direito e do esquerdo. Ela dorme, mas imagino ela acordada. Todo dia ela estará aqui comigo. Enquanto ela estiver nos bares da zona sul, transitando esquálida com os caipiras do lado de lá, ela ficará aqui comigo. Fotografo até seus pés, suas unhas vermelhas, as marcas do sol presas no corpo, os pelos, nobres pelos negros, detalhes perfeitos, de perto. Tudo aqui armazenado no depósito eletrônico.

Vozes da Maldade




Falam merdas por ai. Eu não me esgoto. Que se dane a maldade. Nunca dei para o tipo. Fico preso aqui. Isso não me aflige. Conto silêncios. Invento vozes. Gosto de comer chocolates. Eu não me mereço. Sou muito mais. Desafio qualquer um. Digam as verdades que vocês conhecem. Mintam para mim como sempre mentiram. Tô nem ai. Vocês fazem o que vocês fazem. Não entro em alardes. Fico calmo. Absoluto. Não atendo telefones. Não entro em carros. Não visito ônibus. Fico na minha. Na manha. Não participo de reuniões. Não frequento culturas. Eu me esvazio. Mas me sinto cheio. Porque sempre consigo... reparar o meu ânimo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Gentil




Eu falava para um amigo. O importante é ser gentil. Eu estava brincando. A gente ria. E a garganta ficava gelada de cerveja. Depois de muitas. Pediamos a conta e cada um partia para seu espaço. Meu amigo não mais voltou. Ele partiu por ai, porque constituiu familia, esposa, sogra, sogro, cunhados e sobrinhas. E eu, gentil, fiquei por ai. Atropelando com minha gentileza minhas próprias angústias.

Generoso




Ela leciona para o filho. Os óculos são novos, mas ela fica tonta. Peço, quando abro a geladeira, para que ela me olhe. Ela disse que não pode. O filho quer jogar Sims. Eu apresso passo, pois quero ver o jogo de meu time que não consegue ganhar fora. Mas todos estão ali esperando que alguma coisa aconteça. E nada acontece. E tudo volta para o mesmo lugar. E a sopa vai ficar pronta. E o telefone toca. Ela fala com a tia. Explica para a tia. A tia insiste. E ela, finalmente, me olha. Eu boto a mesa. Eu vejo o jogo. Eu ouço música. Eu gratino risotos. Depois de tudo isso. Depois de tanto suspirar. Depois de tanto fazer. Depois de tudo preparar. Depois que a tia desligou. Eles me cobram: você não faz nada. Só me resta rir.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

I Love My Red Lipstick




Tem uma pedra dentro. Ela exclama para si enquanto assiste o jogo. Ela não enxerga o campo, nem os jogadores, apenas penumbras. Ela não sabe porque está ali. Ela está pesada. Ela sabe que está pesada. Ela se entope de cerveja, comprimidos e cigarros. Ela não consegue dormir. Ela não quer dormir. Ela não tem fome, por isso escreve. Em seu Blog ela escreve. E quando ela está pesada ela escreve bem. O texto parece que flui, porque ela flutua. Ela vive e se alimenta da melancolia no apartamento sujo, pequeno, fechado e fedido ocupado de forma precária. Sua vida é precária. Sua existência é precária. Tudo é precário. Ele se afunda na tela do micro. Não tem cadeira nem mesa. Ela passa o batom nos lábios. Ela está, enfim solta. Ela senta no chão com pés sujos. Digita com dois dedos sujos. Tem uma pedra dentro dela. E a pedra é necessária.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Pena






Tentei falar com Valquíria algumas vezes. Ela nunca me respondeu. Deve estar magoada comigo. Não era para menos, eu fui um cavalo. Ontem ela me ligou. Disse que quer passar lá em casa para pegar suas coisas. Que coisas? perguntei. As minhas, ela respondeu.

As relações acabam dessa forma, distantes. E no fim das contas cada um quer levar o que restou das sacolinhas de fim de semana. Fui claro e espalhafatoso. Fiz minha opção. Ela não levou numa boa. No dia, eu nem pensei duas vezes, mas depois tive pena. Detesto ter pena, porque fico aborrecido e muito chateado quando alguém tem pena de mim.

E agora estou sozinho, 'zerei' minhas relações, posso ligar para quem quiser a qualquer momento, sou livre, mas estúpido. Estou disponível, mas solitário. Solto, mas angustiado. Giro a noite vagando pelas avenidas. Sorrateiro ingresso nos bares da moda, nos restaurantes das celebridades. A procura de alguém que parece ninguém. E nessas horas eu sinto pena de mim.

Ligado



Bota lenha na fogueira, maciça, podre, descontrolada. A chama aguenta vai fundo, enorme, como duna imensa sobre a sala. Arrefece, espaira, espraia. E tudo fica calmo, tudo fica límpido. A fumaça se dissipa, o universo se torna mais claro, menos nebuloso. O ecosistema se estabiliza a normalidade é perplexa, a vulgaridade também. O conteúdo nobre do que efetivamente importa que deveria se sobrepor às banalidades fica sufocado, abafado, pesado e afunda definitivamente. As vozes e a imagem digital da novela das 8 são mais fortes, elas embalam o espetáculo. Todo mundo fica ligado, inclusive eu.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Ardente




O domingo estava lindo e Dora foi de biquini para um posto na praia do Leblon. Ela estava adorável. Sozinha ela sentou na areia e pediu um mate bem gelado. Ajeitou os óculos, amaciou os cabelos, olhou as unhas bem pintadas e retirou da bolsa seu celular. Não havia nenhum chamado. Pediu ao Jorge, o vendedor, um sorvete de tapioca e ficou ali bem recostada de frente ao sol deslumbrando a vista do morro dois irmãos. Na frente do hotel Marina ela cantava a música da Marina assobiando com ternura toda a linda melodia. Ela se sentia bem. Era confortável estar ali sozinha, sendo bronzeada por um sol ardente como ela. Ela sabe de seu potencial, sabe do que é capaz, sabe que é admirável e admirada. E estar ali, naquele momento, exigia reflexão. Ela não estava ali à toa. Algum motivo existia. E o motivo estava bem ali defronte, do alto do último apartamento do hotel. Esperava o sinal certo para subir e passar a tarde com uma companhia enigmática, mas muito desejada. Tudo aquilo parecia muito perigoso. Mas ela estava tranquila, quando o telefone finalmente tocou.

Transpassando




O colecionador de detalhes abaixou o volume do rádio. Tinha de se recompor. O baque foi forte. Ele estava atônito. Sua mão cansada não conseguia mais mover o teclado. Ele precisava dizer alguma coisa para alguém. Mas todos já haviam partido. Simplesmente se foram. Apagou a velha lâmpada do abajour e ficou em silêncio esperando uma idéia, uma saída, uma solução. Não conseguia adormescer. Sentado e triste ele admirou a penumbra da noite temperada. Os detalhes das silhuetas, o som do silêncio, a cor do escuro. As pálbebras caíram sobre a face. Ele, enfim adormeceu. E acordou no elevador, no décimo andar. Apertou o térreo e o elevador subiu, subiu e subiu. Não mais parou, ele continua subindo a espera que a porta abra. Trancado ele descobriu todo o caminho de sua repressão. Sempre fora um reprimido. E nunca assumira como tal. Era hora, portanto, de extravazar, de vazar para fora, mas ele estava ali trancado, deprimido, no recanto sigiloso de um elevador vazio esperando a porta abrir para ele, afinal, sair.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Utopias




O marquês de Ygartua mora no último puxado do velho sobrado, herança de sua familia, onde ele montou todas as estruturas de seu domínio. Ele quer controlar todo mundo, mas não controla ninguém. E quando desce as escadas, com seu olhar implicante, tadinho dele, ninguém lhe dá a mínima pelota. O pequeno está entretido com o novo jogo simulador. A mulher sofre de dores infernais e sentada na cama descansa enquanto vê os filmes de mulherzinha. O jogo terminou e ele não tem nada a fazer. Ele sente uma insuportável vontade de dizer alguma coisa. Inventa uma história maluca e ninguém lhe dá o menor ouvido. Faz estardalhaços em torno de uma notícia irreal apenas para brincar mais um pouco. Mas ninguém esboça nenhum sorriso. O nobre e ilustre fidalgo - exausto - sobe a escada e retorna aos seus aposentos do último puxado e sonha: amanhã será um novo dia.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Ainda Esperando


Eu poderia falar de Dora, poderia falar do inspetor, mas não posso, pois tenho de atender o telefone.

Ontem fiquei uma hora esperando numa sala de espera. Peguei o celular e descobri um joguinho que forma cidades. Construi dezenas de edifícios, um maior do que o outro. Fiz até um imenso prédio de 50 andares. Parecia arranha céu de Nova York. Eu -- que queria tanto ser atendido -- rezava ansioso para não me chamarem, queria ficar ali mesmo esperando, esperando...

No local de atendimento, no andar de baixo, havia um aviso. Se você está gripado utilize as nossas máscaras.

Esperando


Imaginava comer no almoço sopa de letrinhas, mas fiquei preso no escritório por conta de uma nota que tenho de pagar. Minha secretária não chega, deve estar no almoço comendo sopa porque faz frio. Ela tem o comando do cofre, do talonário, até mesmo das canetas. Mas ela não tem o poder da assinatura e, portanto, minha sopa de letrinhas fica para o início da tarde.


Ah, sim, a imagem acima não tem nada a ver com o post. Eu pesquei de um concurso sobre a máscara mais interessante para conter a gripe A.

sábado, 25 de julho de 2009

O Cara Certo




Não me sinto enraivecido. Sou daqueles que gosta de flores. Sim, eu tenho respeito pelas pessoas. Acredito na conversa, no bom diálogo. Acho que no fundo as pessoas se entendem. Basta conversar, ouvir, escutar. Eu não me considero um homem difícil. Sou até muito fácil, afável, sensato, crível, tolerante e razoável. Apelo sempre para a convergência. Mas eu tenho minha opinião. O que fazer se penso o que penso? Posso até estar errado e também reconheço meus equívocos, que não são poucos. Assumo minhas besteiras, minhas ironias, minhas implicâncias. E eu tento mudar. Dizem que eu não mudo, que minhas neuroses infantis estão incrustadas no meu corpo. Falam que eu tenho de me tratar. A física nos ensina que estamos em constante evolução. Eu também evoluo. Eu sei que tem horas em que eu me torno complicado -- essa palavra vazia que não diz nada, mas diz tudo. Tenho minhas manias, minhas crises de autoridade. Quando chega um brinquedinho novo eu fico fascinado. Se é uma caixinha de música, então!, eu fico entusiasmado e me debruço nela para inserir mais e mais discos. E passo horas fazendo isso, perdido em mim mesmo. Quem pode entender uma criança que ganha um super presente? O aspecto lúdico da vida não existe apena na infância. Mas minha infância já se foi. Os cabelos brancos começam a aparecer. Os óculos são meus companheiros. Minhas pernas não correm mais como antigamente. Hoje enfrento a maturidade e, portanto, ouso deixar de lado minhas implicâncias infantis para cuidar da razão. Esse é meu dever. Tento ser solidário e responsável, mas sou incompreendido, porque não resolvi as obscuridades da minha infância. Minha vida admirável se resume a esse equilíbrio interno que faz parte do meu cotidiano. Tento ser perfeito, mas não sou. Não sou o cara ideal, sou apenas o cara certo.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Boa Neta




Dora me liga e conta de sua avó. Ela está doente, gripada e precisa de medicamento. Ela está sem grana e precisa de dinheiro. Não consigo resistir aos encantos dela e marcamos de nos encontrar num bar ali perto do aterro do Flamengo. O local estava agradável, era fim de tarde e o movimento aumentava. Peço um chopp, afrouxo a gravata e fico olhando o movimento. Nisso, vejo Dora entrando com cabelo novo e visual contemporâneo. Nossa, Dora, como você mudou? Eu faço isso para agradar aos fãs. Ela me disse que entrou numa nova era, numa nova época, que passou a cuidar do corpo, que tentava fazer Ioga, que arranjou um namorado rico e surfista que passava o tempo todo em Saquarema, que parou de fumar e beber por uns tempos, mas que tomava um chopinho comigo só para me acompanhar, que ganhou um perfume de seu chefe que está dando em cima dela, que ela não é fácil, mas que ela não é difícil, que ela é assim assim, mas no fundo, no fundo, ela é uma boa neta. Rimos à vontade até que a noite chegou. Eu disse a ela. Tome, pegue essa grana aqui por conta da nossa amizade. Mas não vicia. Você tem o meu telefone, liga quando puder. E lá me fui em direção à zona sul.

Eu vi


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