Buscando não se sabe bem o quê.

domingo, 25 de setembro de 2011

Escorrendo


Nosso lema
nossa verdade
nosso hino absoluto
rotulado de idéias
e de senso comum
idealizamos nosso
próprio sucesso
e por isso detestamos
e quebramos a memória
de tudo que foi
muito lúcido
muito claro
e transcendente
preferimos enfrentar
mas não sabemos
os rumos da agonia
e por isso nos armamos
com as armas artezanais
do nosso
 absoluto sorriso
ingênuo de lágrimas
de cor e de sonhos
queremos ser marginais
colocamos no nosso rosto
escorrido as marcas
amargas do nosso próprio
insucesso.

Equilíbrio


Tenho fome, mas não como. Não como porque não posso comer. Aliás, não devo comer, porque tenho de me controlar. E controlando a mim mesmo eu chego - ou devo chegar - ao meu ponto de equilíbrio. E é exatamente isso o que importa, saber alcançar o ponto de equilíbrio. Pensam que é fácil? Não é. É bem difícil - pois exige um monte de atitudes do tipo: determinação, saber se controlar, tentar ser menos ansioso, fazer o possível para evitar comer alguma coisa muito boa que está ali disponível, mas, infelizmente, não se pode retirar aquela guloseima, do tipo sorvete de morango ou abrir uma garrafa de sirah, porque se assim se fizer, estará rompendo com a promessa. E não se pode romper com a promessa, porque rompendo a promessa estará enganando a sí mesmo. E quem engana a sí mesmo é mais do que um bobalhão. É um tremendo imbecil. E não quero - sob hipótese alguma - ser taxado e rotulado por aí de tremendo imbecil. E por isso, pelo exposto e não exposto, eu sigo seguindo as regras, tentando controlar meu apetite, minha conduta, porque o equilíbrio é o que verdadeiramente importa.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Do Outro Lado da Rua


No subúrbio da noite, uma janela se fecha. As luzes que estavam bem brilhantes se apagaram. As regras existem e elas exigem o nosso obrigado silêncio. Temos de conviver e apelamos, então, para nossos deuses morais. Tentamos disfarçar nossa decepção, porque  eles estão sempre contemporizando com os ditos inocentes. Benditos ou malditos, tanto faz.  Nossa angustiante espera não vai além e nos atordoamos com o encanto e a magia desse grande circo. Ele nos causa emoção, medo e indignação.  Não deixa de ser interessante -- e aí está o paradoxo -- que as soluções podem ser encontradas, porque os paradigmas existem. É só seguir os passos já alcançados, podemos copiar, colar, podemos fazer de tudo, mas onde está aquela vontade, aquela gana que aparece sempre na hora exata. Aparece?  Por que a demora? Nessas horas vem a lembrança daquele tio que nos chamava a atenção acerca dos interesses que nos mantém amarrados. E no meio dessas algemas de detalhes apelamos para toda a sorte do mundo: magia, templos, arenas, rezas, livros mágicos, religiões esquecidas, ideologias baratas. E quando acordamos - porque sempre acordamos -- nos damos conta de que tudo isso é apenas a nossa vida e que nossa voz não está afinada o suficiente para que tenha condições de  ser ouvida do outro lado da rua. Fechamos a porta, apagamos a luz, baixamos a janela, trancamos, enfim, nossas grades para que a noite seja segura - e confortável.

Barba no Rosto


Bah, cara
eu tenho barba no rosto
e não é de hoje
nem de ontem ou anteontem
já faz muito tempo
que eu tenho
barba no rosto
mas só hoje percebi
eu tenho barba no rosto.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Desenho


A mão firme, ainda um pouco dolorida,  abraça  o lápis e os traços são elaborados ou pintados. As cores geralmente são fortes -- vermelho de sangue coagulado, azul de céu de tempestade, cinza de nuvens carregadas -- e todas as mulheres, sim todas as mulheres, estão presas ou encobertas por  formas geométricas ou raízes, como se vê de seu trabalho  mais recente. Não se sabe, porque apenas se comentou sem maiores indagações,  se elas procuram raios de  liberdade ou se são prisioneiras de seu cotidiano ou destino. O curso do trabalho é mostrado on line e os conhecidos tecem seus comentários. Assim o processo é constituído, executado e finalizado. A autora dá um respiro mais fundo, expreme os olhos, como sempre faz ao observar, e toca graciosamente com a ponta dos dedos na  obra finalizada. O desenho é, enfim,  colocado numa pasta e guardado na gaveta da mesa do escritório.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Versões



O fato aconteceu num sábado a noite, talvez tenha sido a tardinha. Não se sabe ao certo, porque as nuvens da memória não se dissiparam da forma como se esperava. Tudo inicou com uma simulação, uma simulação de sono. Bateu a campainha na porta de baixo e ele estava assistindo televisão. Alguém tinha de descer para atender , mas um programa interessante estava passando, talvez um jogo de futebol, um filme de suspense: algo do tipo. Talvez -- e essa hipótese também foi ventilada --  ele estivesse cansado e aproveitou a situação para tirar um cochilo. Talvez, sempre talvez. Ela que estava no andar debaixo subiu a escada e foi nesse momento que a campainha tocou e ele começou a simular o cochilo.

Ele fechou bem os olhos e se embalou suspendendo suas funções corporais, ficou inativo. Repentinamente ele sentiu em sua barriga (um pouco demais inflada) uma mão que lhe tocou exatamente a região do umbigo. Um necessário parênteses: quando ele tinha um ano ou dois ou talvez três ou quatro, uma babá foi contratada para cuidar dele. Não era uma babá boazinha, porque sempre na hora de trocar as fraldas ou suas roupas ela fazia cócegas. E não era uma simples "cósquinha". Era algo meio que -- digamos assim -- torturante. E a pobre criança ficava a rir e chorar numa situação de total angústia.Isso gerou um trauma.

O fato é que no momento em que ela acariciou a barriga dele -- exatamente naquela região do umbigo -- ele fez um gesto brusco de proteção, de puro reflexo, como se fosse um goleiro defendendo uma bola a "queima roupa". E nesse movimento ele acertou ou o braço ou a mão dela. E a lesão não foi pequena, foi bem maior do que se imaginava. Ela ficou magoada com ele. Ele ficou chateado com o acontecido. Amanhã ou depois quando ela ficar boa -- porque sim ela vai ficar boa -- eles poderão até rir do que ocorreu. Mas, por enquanto, ela ainda tem de tomar os  medicamentos contra a dor, suspender as sessões de pintura e literatura e aplicar no local uma bolsa de gelo que queima. Uma grande chateação.

Ele assiste a tudo isso sentindo as dores dela. Ela talvez não acredite nessa versão, mas ele já disse mil vezes que está muito sentido. Falou até mesmo (vejam só) que poderia ceder suas mãos para ela, se por acaso, ela quisesse.

Eu vi


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