Buscando não se sabe bem o quê.

domingo, 31 de agosto de 2008

Anjos Vesgos




Estamos em Berlim, Paris, Londres ou Beirute. Não importa. Estamos em algum lugar. Olhando as cidades como elas são. Seus sons e pesadelos, suas hipocrisias. A luz apaga e ela acorda cedo. Fecha os olhos e dorme com o peso que carrega nos ombros. Amanhã vai ser duro o dia, ela pensa e pensa. Presenciamos seus detalhes e não intercedemos. Sem condições de materializar o corpo fazemos a invariável ronda vesga na busca de algo que não sabemos. Nossas rugas escondem nossa felicidade. Somos sérios. Ela acorda no dia seguinte, não sei se ela sente nossa presença. Estamos todos ali perdidos naquele quarto. Não sabemos acerca do tempo. Nem cheiro, nem corpo e nem sexo.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Mistérios Íntimos ou Detalhes Secundários


Ele tinha um fone de ouvido em uma das orelhas e passava as tardes copiando folhas xerox no prédio da Justiça. Bonzinho o rapaz. Gentil - ele era capaz de copiar diversas e talvez centenas de folhas por minuto. Passava a tarde ali, copiando folhas dos processos judiciais e ouvindo, numa das orelhas, o rock progressivo digital. E lá estava ele naquela sala fechada, cheia de gente, no calorão do ar condicionado. O ritmo batia forte e ele discretamente acompanhava a batida com a ponta do tênis Adidas no piso do carpete ralo e barato. Após o atendimento ele contava moedas e passava o recibo para os estagiários, advogados e partes. E todos saiam satisfeitos pelo serviço prestados, uns agradeciam e outros não. Isso faz parte, como bem se sabe, da boa educação de nossa terra. Mas ele não estava nem aí pelas questões morais das pessoas do nosso país, para ele o que interessava é a graninha que ele gerava com o trabalho que fazia. Foi com ela que ele comprou o aparelho MP3 que ele carrega sempre consigo.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Mudando a Cor das Paredes

Mudei o layout. Por que Mudei? Ora, bolas, porque resolvi mudar. Gostaram? Eu achei diferente. Está mais clean. Fica melhor para ler. Quem quiser ler, of course. Se o vivente não gostou, quer fazer o favor de reclamar para o dono do Blog, please! Pode ser uma mudança temporária ou, talvez, definitiva. Mas como nada é definitivo, é para ser temporária mesmo. Mudanças, como é bom fazê-las.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O Viajante





Na imensidão do mundo o homem cresce. Ele é nômade e viaja pelos lugares. Visita desertos, campos, serras e mares. Faz uma canoa e transita pelos continentes. Ele é o dono do mundo que está a seus pés. Lá de cima ele olha e reflete em seu cinema mudo. Em sua lente de aumento ele abre o foco nas névoas, nas tempestades, nas tragédias naturais e humanas que ele escolheu para viver. Essa é sua experiência. Hoje ele é um homem só que se perdeu na imensidão dos tempos e do espaço e procura algum local onde ele possa encontrar alguma memória para contar sua história. Ele é um homem do passado e do presente. Ele é o homem do futuro. Ele está aqui e agora suspirando ao nosso lado.
Imagens de Robert Parke Harrison. Pescada daqui.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Ponto Final


Não tenho saco para musicais e nem para filme do Batman. Não aguento mais comédias românticas e dramalhões existenciais. Abri o jornal e nenhum filme me fascinou. Terça é dia de cinema. Eu convencionei que é dia de cinema e ponto final. Eu sou organizado e gosto de organizar minha vida. Amanhã levanto às 6: 30. Não preciso colocar despertador, eu levanto ás 6:30 e ponto final. Assim eu sou. Minha irmã diz que eu sou chato, um pé no saco. Eu sei que eu sou. E eu faço questão de ser chato e um pé no saco. Aliás, eu ando meio sem saco para fazer algumas coisas. Ontem foi terça e resolvi ir ao shopping para ir ao cinema, porque hoje os cinemas estão no shopping. Não lembro se chovia, se estava escuro se tinha movimento. Não estava interessado em saber. Sei apenas que cheguei no estacionamento e achei um lugar bem na porta da entrada. Subi a esteira rolante e depois a escada rolante. Cheguei, enfim, ao cinema. Sabia que teria dificuldade em encontrar algum filme que presta, porque nenhum presta. Sem saco comprei uma entrada para uma 'comédia romântica transcedental' chamada 'Encontro nas Nuvens' . A sala estava completamente vazia. Apenas eu e uma guria sem sal que ficou sentada do outro lado bem distante. Fiquei ali comendo pipoca e tomando coca light até que o filme começou. Era uma história de um casal que morreu no mesmo dia, na mesma hora, na mesma cidade e que vive um grande e atrapalhado amor espiritual. Lá pelas tantas, no meio do filme, a guria foi embora e me deixou sozinho na imensa sala assistindo aquela história de fantasmas. Não sei se o filme me fascinou, não lembro se eu gostei ou se achei a história banal. Eu simplesmente não sei. O que eu sei é que terça é dia de cinema. O resto? o resto é ponto final.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Sobre Cíclos, Saudades e Sentimentos


O pai lamenta que a filha não quer ir mais para a serra ou para a praia com eles. Ela quer fazer outros programas com as amigas de colégio. Quer ficar na cidade enfrentar as raves do fim de semana. O pai se preocupa, mas observa: ainda bem que eu conheço um taxista de confiança que pode ir buscá-la na madrugada de sábado. Assisto seu semblante triste quando admite que ela mudou.
Ele me olha a espera de uma palavra que não veio. Não tive o que dizer. Fiquei mudo como um tolo. A história me fez lembrar a última aula de meu filho no jardim de infância. Bateu uma depressão saudosista de um tempo que não volta mais. É o ciclo da vida, os pequenos entram para o colégio, brincam, procuram seus amigos, estudam e, e em seguida, se tornam adolescentes. Começam a ter voz própria, opinião e querem fazer seus programas, a conquistar suas individualidades. É a nossa história que continua. Eles mudam como a gente muda, mas o tempo é outro, o momento é outro, o ângulo de visão é outro, a linguagem é outra, a relação é outra. Para eles tudo é novo, tudo é desafio, tudo é conquista. Ouvimos com cautela e com certa dose de ambivalência cada novidade, cada desafio e cada conquista de nossos filhos, porque sabemos muito bem que podemos não fazer mais parte desses planos. Isso pode ser muito dolorido.

Hoje fiquei sabendo que um amigo de infância morreu há 2 anos. Teve uma doença e se foi. Não perguntei se ele tinha filhos, porque não gosto de pensar em sofrimento infantil.

Assado


Ele estende a carne sobre a mesa. Corta em pedaços, espalha ervas e azeite, adiciona batatas, cebolas e temperos. Ele ouve música que a rádio toca. Ele segura com as mãos sujas de azeite e ervas o cálice de vinho tinto.

O forno está quente, muito quente. A forma untada de manteiga. O prato está feito, mas cru. Ele coloca tudo para assar. Tem que aguardar meia hora. Ele olha para o relógio e para a porta da casa que está fechada. Ele está trancado e sabe que não pode sair.

Pensa, prefiro assim do que assado. Assim está bom, assado poderia estar pior. A carne arde no forno, o tempero toma conta do sabor, o azeite mergulha nas entranhas da costela. O cheiro de azeite virgem se espalha, a cebola e as batatas ficam escuras e douradas. Ele toma um largo gole de vinho. Sacode a cabeça e respira fundo ao fechar os olhos.

Acorda e todos estão à mesa. Elogiam o prato, tomam vinho, lavam as panelas, enxugam a louça, secam os panos sujos. Ele observa restos de vinho no fundo do cálice, toca com seu dedo o som do cristal. É tudo muito oco. Abafado ele contempla todos. Muito rosto, muita face, muita pintura, muito assunto. Quem chegou e quem foi embora?

Ele se lava depois de horas. O sabonete percorre seu corpo todo molhado. Ele pensa nos detalhes. Já é fim do dia e a noite desaba. Ele se sente transparente. Agudo, mas está perplexo. Sua memória não ajuda. Os assuntos falados passaram. Nada é digno de nota. Assustado ele se deita e contempla as marcas do teto. Essa não havia ontem. Aquela vai surgir amanhã.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

A Mocinha


Ela passeia com seu cachorro levando na boca um pirulito. Ela senta no banco da pracinha. O parque está cheio, porque é domingo e o balanço lotado. Pais, mães e babás balançam as crianças. Algumas choram e outras se divertem. Ela fica pensando na vida, nos cabelos grisalhos de seu pai, no vestido de sua mãe, na bronca que deu na empregada da família, porque naquele dia deu vontade de comer guizadinho com batata e a Vera fez macarrão com galinha. Ela está ali sozinha com seu cãozinho no coração da grande cidade. Ela parece triste, mas na verdade ela sente orgulho de estar ali. É como se fosse uma grande conquista. Velhos desejos. Sentia-se única. Um senhor com cabelos grisalhos, iguais ao do pai, se aproxima e pergunta se ela precisa de ajuda, indaga sobre sua vida, sua família, se ela, por acaso, está perdida. Ela aprendeu que não se deve falar com estranhos, mas aquele estranho parece ser um velho amigo e por isso ela resolveu responder: Eu me perdi, sai de casa e me perdi. Não sei onde anda meu pai, não sei onde está minha mãe. Briguei com a empregada e me perdi. Ele perguntou onde ela morava, se havia algum telefone na sua casa, essas perguntas que se faz para as pessoas perdidas. Ela respondeu que não se lembrava de nada e que ela não era mais uma mocinha, ela já é uma mulher que saiu de casa para levar seu cão a passear e que ela tinha nome e endereço. O gentil senhor achou estranho aquela resposta, mas no mundo de hoje tudo é realmente muito estranho. As meninas se tornam mocinhas, as mocinhas se tornam mulheres e as mulheres se tornam mocinhas. Como o tempo podia fechar o senhor desejou bom dia e se retirou para ler o jornal em outro lugar mais abrigado. A chuva, de fato, não veio, e o sol se pôs. A praça está ali e o tempo passou. Todo o domingo o senhor volta ao local. Nunca mais encontrou aquela pessoa. Talvez ela tenha mesmo se tornado uma mulher. Talvez ela tenha se dado conta de que continuava uma criança. Talvez até, ela fosse uma mulher com jeito de criança.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A Triste História da Princesa Que Morreu de Felicidade


Era uma vez uma princesa que morava na torre mais alta do castelo mais alto da história da humanidade. Lá de cima da torre ela enxergava o horizonte mais distante, mas apenas quando o tempo não estava nublado. Geralmente, as nuvens tomavam conta da paisagem e ela apenas enxergava neblina. Dentro da torre a querida princesa tinha um belo aposento com cama de dossel, paredes pintadas, cabeceiras deslumbrantes e uma porta que estava sempre fechada. Na verdade, essa porta, a única saída que havia, estava lacrada. A princesa estava presa em um aposento sem espelhos. Ali distante de todos, no topo do mundo, a princesa passava os dias olhando a paisagem sombria pela janela. E quando anoitecia ela deitava, mas não dormia porque havia dormido demais. Mas ela sonhava acordada com os dias que ela iria passar quando saísse dali. Era certo que um belo principe iria, finalmente, salvá-la. E ela sonhava acordada todas as noites e todos os dias. Um belo dia quando o sol nasceu forte e as nuvens não apareceram, de sua janela no alto da grande colina, a princesa avistou no horizonte um homem em um cavalo branco se aproximando pela estrada cheia de poeira. Seu coração começou a bater muito forte, porque era hoje o bendito dia em que ela seria beijada pelo mais nobre e belo príncipe de todas as histórias. Ele se aproximou do castelo e atravessou a ponte que liga ao portal. Ali mesmo ele levantou a espada e gritou para que todo mundo ouvisse: Vim salvá-la, nobre Princesa do Alto do Mundo. Vim libertá-la para caires em meus braços! E a nossa história, enfim, acaba. O príncipe das Terras de Baixo havia conseguido a chave da torre mais alta com um velho ancião que circulava caduco pelos prados verdes da encosta, balbuciando palavras sem nexo e carregando consigo um grande enigma. De posse dessa chave dourada o príncipe percorreu três continentes e ali chegou. Subiu todas as escadas do velho castelo e abriu a porta com certa facilidade. Aberto o lacre ele se deparou com a princesa. Ele jamais esqueceu o que aconteceu. O príncipe ficou sabendo depois que a princesa era a verdadeira Bela Adormecida que dormiu cem anos, até que o feitiço caducou. De tanta emoção por ter conseguido, finalmente, respirar o ar da liberdade, o coração da princesa não aguentou. Ela morreu de felicidade.

Eu vi


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