Buscando não se sabe bem o quê.

domingo, 30 de agosto de 2009

Dom


Estou nem ai para a malandragem. Não quero saber de sacanagem. Sou apenas misecordioso. Acredito na utopia da solidariedade. Sou gentil, sou bom, sou a convergência do universo.


Não acredito na rapaziada, de alma marcada de som e amor. Não gosto de samba, de rock e de tango. Não gosto de nada. Gosto apenas de mim. Sou seboso, eu sei. Infernal nas horas vagas. Sou perfumado porque gosto de cheirar bem. Desafio qualquer um -- e qualquer uma -- a me conquistar.


Sou apenas a regra, a regulação, o limite. Não sou santo, nem diabo. Apenas um homem comum. Que mora onde todos moram e sonha o que todos sonham. Sou o consenso de tudo. A evidência do nada. Sou sexo, misterio e dom.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

São




Uma alma minguada - pensou: uma alma minguada. Quem sabe dar tutti-frutis para as crianças? venenos para andorinhas? A inusitada história que contavam dos pintinhos degolados enfeitando a árvore de natal. Ele curiosamente leu o título do livro embalsamado. Era sobre virtudes. Quem se interessa por assunto dessa ordem? Bom mesmo é esperar o balanço do dia. Quando chove e fica tarde. Quando a escuridão toma conta. Quando ninguém consegue se ver. Muito menos enxergar o que os outros sentem. Nessas horas ele sempre percebia que estava são.

Ele é acusado de insensível, de tolo, de manso, de fraco. Um dia aprendeu: não se busca soluções nas horas vagas. O que se pode encontrar, num acaso de sorte, é apenas uma pequena e insignificante resposta. Quando a autoridade chegar se utiliza a mesma indagação. A rotina de sempre. Verifica as condições do peito, os batimentos, a carga de pressão. Está tudo pronto, quase perfeito. Receita o remédio que não cura, mas que alimenta a insônia. Pronto, agora pode dormir satisfeito.

Encostou a cabeça no travesseiro, se postou na posição correta de frente para a grande janela. Apaga a luz do abajour. Admira a paisagem dos relâmpagos que iluminam o quarto criando um clima estarrecedor. Não é sonho e nem pesadelo, apenas vida. Nada mais do que vida. Sensação de que está no quarto errado. Toca no lado esquerdo da cama. Toca mais, toca bem. Não existe bunda, nem nádegas. Apenas travesseiros. Não existe nada de humano por ali. E ele se deu conta, está, enfim, só.

Suspira aliviado e procura o hipnotismo sagrado do sono. E o cardápio surge. As opções são muitas. Têm as entradas, os primeiros passos, a parte dos sonhos, histórias antigas, novas e que não aconteceram. E no 'grand finale', na hora dos doces, no início da manhã, quando tudo está aparentemente calmo, a desanimadora parte dos pesadelos. Claro, ele lê no manual, você pode optar por acordar mais cedo. É só seguir o conselho do livro de instruções.

Diz a experiência de vida que é melhor assim. Justamente por isso os ingênuos, que somos nós, iniciam a beber a espuma densa do esquecimento e muitos resolvem ir além. Era o caso. O rápido movimento dos olhos atinge o clima máximo. São espectros de pessoas que passam pelo ser vivente em busca de uma alma minguada. Ele fica cabisbaixo, em posição fetal, acolhido pelas cobertas já manchadas de tanto suor. Nessa situação de profunda agonia e de prazer incômodo ele resolve esticar a mão e sente um calor súbito e, com ele, um pequeno toque no seu indicador.

Ele sempre se lembra, nunca se abre os olhos numa hora dessas, apenas se acorda. Mas quem disse que o corpo quer acordar? Sublimes são as horas em que não se pode vencer o medo. E numa paz gloriosa ele cede. Parece não haver alternativas. Tenta adivinhar o dia de amanhã, o de ontem, o de hoje. Tenta respirar e, portanto, suspira. E o toque não é mais tão pequeno. Ele sente o abraço, o beijo que excita, o cheiro nobre de um corpo jovem. E ele está pronto, porque está jovem, para a primeira relação. E se entrega ao vício indisciplinado que balança e sacode. Até chegar ao climax do gozo perene.



Por fim, satisfeito ele abre os olhos e o lustre está aceso. Sua posição e a mesma. Não é dia e nem noite. É apenas um quarto fechado com luz opaca, onde ninguém tem forças para vencer os obstáculos que levam até a porta. Ela está aberta para o lado de lá. Não está frio, nem quente. Nem claro e nem escuro. O importante é conseguir reunir as forças para vencer as barreiras. A saúde está dopada, as pernas fracas.Tudo está tão tonto e desequilibrado. A solução parece vazia. É preciso vencer o desânimo. Esmorecido se atira, num ímpeto suicida, para o lado do desequilíbrio e consegue vencer um passo. E consegue embalar, dá dois e até três. E subitamente se sente leve e bem. E percebe o fato.



Era cedo do dia e fazia frio. De pé, ele sente arrepio no seu corpo molhado, onde mergulha num abismo de satisfação. Sabia que estava no fim, mas sentiu felicidade por estar ali, com odor de jovem impuro, portando um pijama sujo, mas de cheiro muito nobre. Ainda sentia nas mãos, no pulso e no corpo o calor sublime da jovem encantada que havia se deslocado de uma infância distante para satisfazer os seus desejos escondidos. E nessa hora ele percebeu que continuava são.

O Herói, a Bruxa e Minha Omissão


Meu herói, dizem, foi omisso. De noite, distante, e de barriga para cima eu monto o quebra-cabeça dos fatos. Querem que eu acabe de vez com a malvada. Que eu diga um comentário sujo a respeito da bruxa. Pois bem, eu digo: ela é equivocada, não sabe administrar sua vida, pessoa desorganizada emocionalmente e vai continuar sempre sozinha. Depois me indagam: por que não disse isso antes, por que foi tão omisso? Eu respondo, porque a vida é também administrar relacionamentos. Era assim que ele queria e isso deve ser respeitado. Meu herói entrou nessa história porque ele quis. Ele foi avisado (não por mim), mas preferiu seguir os conselhos de quem o isolou. Ele foi ator e vítima do episódio e hoje ele está deitado, relembrando apenas as velhas memórias da casa grande que abriga seu quarto. A bruxa foi embora e ele está ali olhando para o teto, confundindo lustres e tijolos, preocupado com a saúde dos netos e o bem-estar dos filhos.

Bah, Deixa eu ser Brega

terça-feira, 25 de agosto de 2009

O Rei e as Rainhas




Meu herói está deitado. Sua cabeça está confusa, porque ele esquece. Ele não se lembra do que eu disse hoje. Ele não se lembra do que fez ontem, nem anteontem. Ele está em casa, mas pensa que está no hospital. Ele reclama pelo telefone. Mas ele olha sereno para o filme de 1953. Quem são as quatro atrizes que contracenam com Clark Gable no filme The king and four queens?


Faço essa pergunta para ele. E ele me responde com voz esquálida e com razoável dificuldade: Eleanor Parker, Jean Wiles, Barbara Nichols e Sara Shane.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Depósito Eletrônico


I.

Doralice sai sempre de casa porque gosta de sair. A turma toda acha. Aliás, eles não acham, eles têm certeza de sua ambição e esnobismo. Sempre foi infinita e nunca dava a mínima para os maninhos do bairro. Um dia Dengosa - a gente chamava ela assim - arranjou um namorado. Um cara de fora que a tratava de florzinha. Ele tinha grana e ela sempre gostou de caras com grana, com carro, com tudo. O namoro não foi longe, porque não deu certo, ela disse. Mas ela continuou saindo, visitando outros bairros, perambulando com outros caras. Uma tarde de sábado com tempo fechado no Méier, fizemos uma festa de São João. O dia estava cinza e não tinha nada a fazer e Dora apareceu por lá. Tomou cerveja, conversou e me namorou. Ela dormiu na minha cama.

II.

Cabelos largos, doce, quente, cheirosa, seios perfeitos, coxas lindas, calcinhas pretas, sem soutien. O foco do celular está perfeito. Enquanto ela dorme, imagino que faz poses. E guardo para mim as imagens de tamanha conquista. E se alguém duvidar eu tenho elas aqui. Comigo. Capto seu perfil, de cima, de baixo, do lado, do direito e do esquerdo. Ela dorme, mas imagino ela acordada. Todo dia ela estará aqui comigo. Enquanto ela estiver nos bares da zona sul, transitando esquálida com os caipiras do lado de lá, ela ficará aqui comigo. Fotografo até seus pés, suas unhas vermelhas, as marcas do sol presas no corpo, os pelos, nobres pelos negros, detalhes perfeitos, de perto. Tudo aqui armazenado no depósito eletrônico.

Vozes da Maldade




Falam merdas por ai. Eu não me esgoto. Que se dane a maldade. Nunca dei para o tipo. Fico preso aqui. Isso não me aflige. Conto silêncios. Invento vozes. Gosto de comer chocolates. Eu não me mereço. Sou muito mais. Desafio qualquer um. Digam as verdades que vocês conhecem. Mintam para mim como sempre mentiram. Tô nem ai. Vocês fazem o que vocês fazem. Não entro em alardes. Fico calmo. Absoluto. Não atendo telefones. Não entro em carros. Não visito ônibus. Fico na minha. Na manha. Não participo de reuniões. Não frequento culturas. Eu me esvazio. Mas me sinto cheio. Porque sempre consigo... reparar o meu ânimo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Gentil




Eu falava para um amigo. O importante é ser gentil. Eu estava brincando. A gente ria. E a garganta ficava gelada de cerveja. Depois de muitas. Pediamos a conta e cada um partia para seu espaço. Meu amigo não mais voltou. Ele partiu por ai, porque constituiu familia, esposa, sogra, sogro, cunhados e sobrinhas. E eu, gentil, fiquei por ai. Atropelando com minha gentileza minhas próprias angústias.

Generoso




Ela leciona para o filho. Os óculos são novos, mas ela fica tonta. Peço, quando abro a geladeira, para que ela me olhe. Ela disse que não pode. O filho quer jogar Sims. Eu apresso passo, pois quero ver o jogo de meu time que não consegue ganhar fora. Mas todos estão ali esperando que alguma coisa aconteça. E nada acontece. E tudo volta para o mesmo lugar. E a sopa vai ficar pronta. E o telefone toca. Ela fala com a tia. Explica para a tia. A tia insiste. E ela, finalmente, me olha. Eu boto a mesa. Eu vejo o jogo. Eu ouço música. Eu gratino risotos. Depois de tudo isso. Depois de tanto suspirar. Depois de tanto fazer. Depois de tudo preparar. Depois que a tia desligou. Eles me cobram: você não faz nada. Só me resta rir.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

I Love My Red Lipstick




Tem uma pedra dentro. Ela exclama para si enquanto assiste o jogo. Ela não enxerga o campo, nem os jogadores, apenas penumbras. Ela não sabe porque está ali. Ela está pesada. Ela sabe que está pesada. Ela se entope de cerveja, comprimidos e cigarros. Ela não consegue dormir. Ela não quer dormir. Ela não tem fome, por isso escreve. Em seu Blog ela escreve. E quando ela está pesada ela escreve bem. O texto parece que flui, porque ela flutua. Ela vive e se alimenta da melancolia no apartamento sujo, pequeno, fechado e fedido ocupado de forma precária. Sua vida é precária. Sua existência é precária. Tudo é precário. Ele se afunda na tela do micro. Não tem cadeira nem mesa. Ela passa o batom nos lábios. Ela está, enfim solta. Ela senta no chão com pés sujos. Digita com dois dedos sujos. Tem uma pedra dentro dela. E a pedra é necessária.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Pena






Tentei falar com Valquíria algumas vezes. Ela nunca me respondeu. Deve estar magoada comigo. Não era para menos, eu fui um cavalo. Ontem ela me ligou. Disse que quer passar lá em casa para pegar suas coisas. Que coisas? perguntei. As minhas, ela respondeu.

As relações acabam dessa forma, distantes. E no fim das contas cada um quer levar o que restou das sacolinhas de fim de semana. Fui claro e espalhafatoso. Fiz minha opção. Ela não levou numa boa. No dia, eu nem pensei duas vezes, mas depois tive pena. Detesto ter pena, porque fico aborrecido e muito chateado quando alguém tem pena de mim.

E agora estou sozinho, 'zerei' minhas relações, posso ligar para quem quiser a qualquer momento, sou livre, mas estúpido. Estou disponível, mas solitário. Solto, mas angustiado. Giro a noite vagando pelas avenidas. Sorrateiro ingresso nos bares da moda, nos restaurantes das celebridades. A procura de alguém que parece ninguém. E nessas horas eu sinto pena de mim.

Ligado



Bota lenha na fogueira, maciça, podre, descontrolada. A chama aguenta vai fundo, enorme, como duna imensa sobre a sala. Arrefece, espaira, espraia. E tudo fica calmo, tudo fica límpido. A fumaça se dissipa, o universo se torna mais claro, menos nebuloso. O ecosistema se estabiliza a normalidade é perplexa, a vulgaridade também. O conteúdo nobre do que efetivamente importa que deveria se sobrepor às banalidades fica sufocado, abafado, pesado e afunda definitivamente. As vozes e a imagem digital da novela das 8 são mais fortes, elas embalam o espetáculo. Todo mundo fica ligado, inclusive eu.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Ardente




O domingo estava lindo e Dora foi de biquini para um posto na praia do Leblon. Ela estava adorável. Sozinha ela sentou na areia e pediu um mate bem gelado. Ajeitou os óculos, amaciou os cabelos, olhou as unhas bem pintadas e retirou da bolsa seu celular. Não havia nenhum chamado. Pediu ao Jorge, o vendedor, um sorvete de tapioca e ficou ali bem recostada de frente ao sol deslumbrando a vista do morro dois irmãos. Na frente do hotel Marina ela cantava a música da Marina assobiando com ternura toda a linda melodia. Ela se sentia bem. Era confortável estar ali sozinha, sendo bronzeada por um sol ardente como ela. Ela sabe de seu potencial, sabe do que é capaz, sabe que é admirável e admirada. E estar ali, naquele momento, exigia reflexão. Ela não estava ali à toa. Algum motivo existia. E o motivo estava bem ali defronte, do alto do último apartamento do hotel. Esperava o sinal certo para subir e passar a tarde com uma companhia enigmática, mas muito desejada. Tudo aquilo parecia muito perigoso. Mas ela estava tranquila, quando o telefone finalmente tocou.

Transpassando




O colecionador de detalhes abaixou o volume do rádio. Tinha de se recompor. O baque foi forte. Ele estava atônito. Sua mão cansada não conseguia mais mover o teclado. Ele precisava dizer alguma coisa para alguém. Mas todos já haviam partido. Simplesmente se foram. Apagou a velha lâmpada do abajour e ficou em silêncio esperando uma idéia, uma saída, uma solução. Não conseguia adormescer. Sentado e triste ele admirou a penumbra da noite temperada. Os detalhes das silhuetas, o som do silêncio, a cor do escuro. As pálbebras caíram sobre a face. Ele, enfim adormeceu. E acordou no elevador, no décimo andar. Apertou o térreo e o elevador subiu, subiu e subiu. Não mais parou, ele continua subindo a espera que a porta abra. Trancado ele descobriu todo o caminho de sua repressão. Sempre fora um reprimido. E nunca assumira como tal. Era hora, portanto, de extravazar, de vazar para fora, mas ele estava ali trancado, deprimido, no recanto sigiloso de um elevador vazio esperando a porta abrir para ele, afinal, sair.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Utopias




O marquês de Ygartua mora no último puxado do velho sobrado, herança de sua familia, onde ele montou todas as estruturas de seu domínio. Ele quer controlar todo mundo, mas não controla ninguém. E quando desce as escadas, com seu olhar implicante, tadinho dele, ninguém lhe dá a mínima pelota. O pequeno está entretido com o novo jogo simulador. A mulher sofre de dores infernais e sentada na cama descansa enquanto vê os filmes de mulherzinha. O jogo terminou e ele não tem nada a fazer. Ele sente uma insuportável vontade de dizer alguma coisa. Inventa uma história maluca e ninguém lhe dá o menor ouvido. Faz estardalhaços em torno de uma notícia irreal apenas para brincar mais um pouco. Mas ninguém esboça nenhum sorriso. O nobre e ilustre fidalgo - exausto - sobe a escada e retorna aos seus aposentos do último puxado e sonha: amanhã será um novo dia.

Eu vi


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