Buscando não se sabe bem o quê.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

São




Uma alma minguada - pensou: uma alma minguada. Quem sabe dar tutti-frutis para as crianças? venenos para andorinhas? A inusitada história que contavam dos pintinhos degolados enfeitando a árvore de natal. Ele curiosamente leu o título do livro embalsamado. Era sobre virtudes. Quem se interessa por assunto dessa ordem? Bom mesmo é esperar o balanço do dia. Quando chove e fica tarde. Quando a escuridão toma conta. Quando ninguém consegue se ver. Muito menos enxergar o que os outros sentem. Nessas horas ele sempre percebia que estava são.

Ele é acusado de insensível, de tolo, de manso, de fraco. Um dia aprendeu: não se busca soluções nas horas vagas. O que se pode encontrar, num acaso de sorte, é apenas uma pequena e insignificante resposta. Quando a autoridade chegar se utiliza a mesma indagação. A rotina de sempre. Verifica as condições do peito, os batimentos, a carga de pressão. Está tudo pronto, quase perfeito. Receita o remédio que não cura, mas que alimenta a insônia. Pronto, agora pode dormir satisfeito.

Encostou a cabeça no travesseiro, se postou na posição correta de frente para a grande janela. Apaga a luz do abajour. Admira a paisagem dos relâmpagos que iluminam o quarto criando um clima estarrecedor. Não é sonho e nem pesadelo, apenas vida. Nada mais do que vida. Sensação de que está no quarto errado. Toca no lado esquerdo da cama. Toca mais, toca bem. Não existe bunda, nem nádegas. Apenas travesseiros. Não existe nada de humano por ali. E ele se deu conta, está, enfim, só.

Suspira aliviado e procura o hipnotismo sagrado do sono. E o cardápio surge. As opções são muitas. Têm as entradas, os primeiros passos, a parte dos sonhos, histórias antigas, novas e que não aconteceram. E no 'grand finale', na hora dos doces, no início da manhã, quando tudo está aparentemente calmo, a desanimadora parte dos pesadelos. Claro, ele lê no manual, você pode optar por acordar mais cedo. É só seguir o conselho do livro de instruções.

Diz a experiência de vida que é melhor assim. Justamente por isso os ingênuos, que somos nós, iniciam a beber a espuma densa do esquecimento e muitos resolvem ir além. Era o caso. O rápido movimento dos olhos atinge o clima máximo. São espectros de pessoas que passam pelo ser vivente em busca de uma alma minguada. Ele fica cabisbaixo, em posição fetal, acolhido pelas cobertas já manchadas de tanto suor. Nessa situação de profunda agonia e de prazer incômodo ele resolve esticar a mão e sente um calor súbito e, com ele, um pequeno toque no seu indicador.

Ele sempre se lembra, nunca se abre os olhos numa hora dessas, apenas se acorda. Mas quem disse que o corpo quer acordar? Sublimes são as horas em que não se pode vencer o medo. E numa paz gloriosa ele cede. Parece não haver alternativas. Tenta adivinhar o dia de amanhã, o de ontem, o de hoje. Tenta respirar e, portanto, suspira. E o toque não é mais tão pequeno. Ele sente o abraço, o beijo que excita, o cheiro nobre de um corpo jovem. E ele está pronto, porque está jovem, para a primeira relação. E se entrega ao vício indisciplinado que balança e sacode. Até chegar ao climax do gozo perene.



Por fim, satisfeito ele abre os olhos e o lustre está aceso. Sua posição e a mesma. Não é dia e nem noite. É apenas um quarto fechado com luz opaca, onde ninguém tem forças para vencer os obstáculos que levam até a porta. Ela está aberta para o lado de lá. Não está frio, nem quente. Nem claro e nem escuro. O importante é conseguir reunir as forças para vencer as barreiras. A saúde está dopada, as pernas fracas.Tudo está tão tonto e desequilibrado. A solução parece vazia. É preciso vencer o desânimo. Esmorecido se atira, num ímpeto suicida, para o lado do desequilíbrio e consegue vencer um passo. E consegue embalar, dá dois e até três. E subitamente se sente leve e bem. E percebe o fato.



Era cedo do dia e fazia frio. De pé, ele sente arrepio no seu corpo molhado, onde mergulha num abismo de satisfação. Sabia que estava no fim, mas sentiu felicidade por estar ali, com odor de jovem impuro, portando um pijama sujo, mas de cheiro muito nobre. Ainda sentia nas mãos, no pulso e no corpo o calor sublime da jovem encantada que havia se deslocado de uma infância distante para satisfazer os seus desejos escondidos. E nessa hora ele percebeu que continuava são.

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