Buscando não se sabe bem o quê.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Urbanismo Radical




Decidi mudar. Começando pelo cabeçalho tão criticado por alguns. Gente, é o carnaval do Riiiio. Toda a sua graça e espontaneidade. Não vou mudar a cor, quero isso aqui branco, clean. Talvez. Alguns detalhes, porém, devem ser modificados. Posso consultar o esteticista, a decoradora, o arquiteto amigo meu. Mas tenho dúvidas sobre isso. Quem sabe uma nova formatação? Inclusive em mim. É, pois é. Eu vou mudar também. Aproveitar a oportunidade para ser diferente. Vou falar sobre outras coisas. Outros fatos, alterar o ângulo de visão. Isso aqui estava ficando mesmo muito chato. Vou falar ....... por exemplo, da crise nuclear que pode tirar do armário da história a guerra das Coreias. Uma coisa que pretendo falar é sobre rúculas, como elas são maravilhosas e como elas fazem bem. Rúcula é o grande segredo de uma boa salada. Há os que não gostem. Que comam salada de alface crespa. Vou falar sobre vinhos chilenos, argentinos, as boas cervejas nacionais e estrangeiras, os refrigerantes diet, light e zero. Vou falar sobre exercício físico, corrida matinal de sábado de manhã. Pretendo comentar como é bonito Palermo domingo de manhã. Ou até mesmo comemorar a vitória do meu time imortal. Posso falar até -- e pretendo fazer isso -- sobre o urbanismo radical que deixa certos viventes vivendo em poleiros. Vou tornar isso aqui mais humano. Menos divino.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Calabouço Mofado


É quase hora. Meu cristal ambulante anuncia a nossa queda. O império troglodita, enfim, vai vigorar. E nós todos seremos servos de um déspota repentino. Eu detesto fazer alegorias para ilustrar o óbvio. O real nem sempre é belo. Muito pelo contrário, é horrível, é horroroso. Crianças abrem seu espaço lúdico na frente dos carros na movimentada avenida. Eu quase atropelo. Mas paro e penso de que tudo isso é muito complicado. Complicado, palavra vazia que não diz nada e nem diz tudo. Prefiro pensar no belo. Nas coisas boas da vida. Testando um bom vinho que me embriaga num restaurante elegante na companhia de uma boa pessoa bela. Que se danem as favelas, as raivas, as agruras, a teimosia. Eu detesto essa vida de ódio. Que tenham ódio de mim, porque estou pouco ligando. A virtude do meu egoísmo está bem acima dos meus limites. E passo a vida a contar histórias perversas de coisas que nem conheci. Invento tudo. Invento a mim. E nada me afeta. A não ser uma coisa, os passos dos pombos podres que se aglomeram em cima do meu telhado de zinco.

Retenção


Tormenta, dose e esperança de uma busca alternativa. Quero encontrar o que eu não quero. Acordo e tento relembrar meus pesadelos. Nunca consigo. A imagem nebulosa de uma escrivaninha que fica em frente a janela da chuva. E lá se encontraram passageiros de outra época. Amigos de outras lutas. Namoradas de outras eras. Fechei todos num livro lacrado que escondo nas prateleiras mofadas do meu jardim. Perdi a senha, não tenho mais contato, joguei a chave do cofre do outro lado do mar. E lá enterrei todo o meu passado. Minha história obsoleta. Fui craque de bola. Fui o pior da turma na matemática. Perdi o fôlego na natação. Fui bem no inglês e detestei a física. Adorava geografia. Mas nada disso está hoje aqui na minha cabeça. Porque eu simplesmente esqueci. Assim como vou esquecer amanhã o que estou escrevendo hoje.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Iniciação



Finalmente deixou de lado a inocência e resolveu partir para cima. Foda-se a vida, avisa. Repetiu. Foda-se a vida. Agora vai. Queria tirar a máscara de fraco. Queria passar adiante o chapéu do tolo. Estava ali a oportunidade. É hora de mudar. É hora de lutar. E não havia mais volta. O que se fez está feito. Implicou, implicou e implicou que o sujeito não teve outra alternativa. Arranjaram a briga no recreio, atrás da lancheria. Estavam todos ali olhando, em círculos. Tirou os óculos e partiu para cima do outro ser. Era uma criatura como ele. De óculos e tudo. Fraco como ele. Doce como ele. Tímido como ele. E o espetáculo começou. Os dois se pegaram nos socos e ponta pés. E rolaram no chão sujo. Os uniformes brancos. As marcas, as manchas. Até que apartaram. Ninguém se machucou. Nem nada. Coisas que se aprende no colégio. Na companhia dos colegas. Na hora do recreio. É preciso mostrar a virilidade do macho. E tudo deu certo. Dessa vez ele passou.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Ordem de Despejo


Minha mãe perguntou um dia se eu era querido com minha mulher. Eu disse que sim, que fazia todas as suas vontades, que tentava não ser violento nas palavras, no humor e na vida. As duas me deixaram e eu estou sozinho no mundo. Tenho, na memória, esse curto diálogo que não demorou nem um minuto. Eu não achei estranha a pergunta e nem mesmo comentei com minha mulher. Minha vida era assim. Talvez esse tenha sido o meu grande pecado. O meu erro. O silêncio e a solidão, minha omissão. A solidão em si não é algo ruim e prejudicial. Muito pelo contrário, estar só significa também uma forma de autoconhecimento e de experiência. Mas quando se olha para os lados e não se enxerga ninguém nem mesmo do outro lado do mundo, quando se abre a agenda e não se consegue pinçar nenhum nome para, ao menos, tomar uma pinga ou uma cerveja. Aí, meu caro, se pode dizer que você está sozinho no mundo. Ninguém fica sozinho a toa. A solidão não é como doença que atinge o corpo e deixa o vivente estendido na cama. Solidão é processo. E eu entrei neste processo porque eu quis, porque eu me omiti, porque assim eu escolhi. Sim, sou tímido, tenho dificuldades para me relacionar. Tenho dificuldades afetiva. Isso minha mulher reclamava todo o dia, toda a santa hora, até que uma noite ela me deixou. Ela disse que não me aguentava mais, que não havia diálogo entre nós, que ela estava farta de estar sempre sozinha e isolada nesse inferno de vida. No início fiquei aliviado, porque não aguentava conviver sempre com a mesma cobrança. Eu tinha que dar um jeito na vida, eu tinha que trabalhar, eu tinha que trazer dinheiro para casa. Eu tinha que comprar o pão. Mas eu, por acaso, não estava sempre sozinho? Simplesmente, não lembro de mais nada. Que conversas nós tinhamos? Sobre o que falávamos? Nós nos suportávamos e ela não mais aguentou e deve ter pedido asilo numa casa próxima ou distante. Não fui atrás dela. Não sei onde ela anda, porque não temos mais contato. Não criamos laços, não tivemos filhos, apenas memórias de uma relação solitária. E aqui estou sozinho, sem agenda, sem contato, sem amigos. Eu e mim mesmo. Mas eu não lamento, porque eu consigo me suportar. Melhor assim do que de outra forma. Sim, eu era feliz com minha mulher, mas era feliz do meu jeito, no meu canto, no meu lado, com os meus segredos obscuros, desde que respeitem o universo da minha solidão. Minha solidão não me traz infelicidade. Eu apenas fico angustiado quando as luzes da cidade se apagam e eu permaneço calado olhando a vista escura de longe na sacada. Não ouço música nem nada. Não suporto diversões. Tenho preguiça de ler e escrever, apesar de estar fazendo isso hoje, nessa noite clara de muito luar. Não suporto as novas tecnologias. Não gosto das cores da vida publicitária. Não quero e nem posso consumir. E aqui estou perplexo. Absolutamente solitário, sorvendo o mate quente da erva que me deixa aceso para penetrar a madrugada com mais vigor. Eu simplesmente não durmo. E, por isso, não acordo. Eu vivo aceso, ligado. Tem horas que eu me canso, mas essa fadiga não diz respeito ao que eu sou, a minha essência. Eu me canso da vida compartilhada, das cobranças, dos compromissos e da responsabilidade. Eu me canso da vida em comum e por isso eu escolhi a via que me leva ao isolamento absoluto. Por isso eu vivo em um lugar ermo, numa região onde o sol pouco brilha. Onde o ônibus nunca chega. Onde o silêncio reina absoluto. Meu lugar predileto é o despovoado. A ausência de pessoas, o cheiro do mato, do campo, o cocô dos animais. Mas nem sempre eu fui assim. Minha infância foi alegre e festiva. Fui bem tratado pelos meus pais. Tinha amigos que brincava. Eu corria pela velha casa, pelas estradas sujas de barro. E depois eu me lavava nos riachos, nos chuveiros elétricos. E de repente eu ficava frio. Não conseguia enxugar. Eu congelava. E não conseguia flexibilizar. Eu tinha problemas e ninguém nunca me avisou. Conheci minha mulher cedo, na escola. Ela era tímida como eu. De poucas luzes e filha de agricultores da região. Minha mãe logo simpatizou com ela. Elas eram unidas e uma se preocupava com a outra. Eu nunca entendi e nunca procurei entender aquele tipo de amizade. Mas eu não queria que aquilo acontecesse e nos isolamos. Ficamos isolados. Eu me isolei, ela se isolou até não aguentar mais. Partiu numa noite como a de hoje, numa primavera. E aqui estou disfarçado de eremita, rabugento e casmurro. Não consigo rir, não vejo graça, não suporto a felicidade dos outros. Amargo, conto a história da minha vida enferrujada porque ela está no fim. Não deixo testamento e nem codicilo. Essa casa não é minha casa. Ela foi ocupada porque estava abandonada e solitária, como eu. Hoje o oficial veio me intimar para desocupar o local. O prazo termina amanhã. E o sol está nascendo. Daqui a pouco ele vem cumprir a ordem judicial. Para onde eu vou? Não sei.


segunda-feira, 18 de maio de 2009

Perfeição



Dizem que sou estranho, porque me disfarço de Deus. Gosto de inventar nomes. Estebán de San Giacomo é meu novo personagem. Ele nasceu em mosteiro perto de Astúrias e vive na cidade que construi. Está metido com negócios imobiliários numa região que eu mesmo criei. Sua mulher é muito feliz e o acompanha a vida toda. Seu nome é Esther. Ela é judia italiana e passa os dias alimentando peixinhos no aquário da família. Eles têm uma cadela que se chama Piranha. Eu inventei todas essas pessoas, suas rotinas, práticas e diversões. Eu inventei a Piranha. Adoro construir personagens no meu mundo favorito dos joguinhos de simulação. Eu simulo personagens maravilhosos para viverem em cidades perfeitas, onde todas as casas possuem vista para o lago, para o mar, para o rio, para o monte. Nas minhas cidades tudo é perfeito e o que não falta é qualidade de vida. Sempre tem um campinho de futebol, de tênis ou de beiseboll para as crianças brincarem. Sempre tem uma floresta, um parque, um museu, um cinema, uma ciclovia. Minha cidade é amplamente arborizada e eu tenho orgulho dela, porque crio personagens simpáticos que estão sempre rindo. Parece que eles não têm nenhum defeito. Todos vivem alegres na minha cidade colorida. Ela é um sorriso só. Não existe depressão, não existe angústia e nem mesmo ansiedade. Quando aparece um psicopata, eu simplesmente deleto. Eu criei e batizei Estebán e o coloquei no sítio mais isolado da minha cidade. Construi uma estrada simpática que liga sua fazendinha ao coração da cidade grande. Hoje ele fechou um bom negócio. Vendeu um quarto e sala conjugado por um preço bem razoável. Vai ganhar uma comissão em cima. Ele prometeu a Esther um novo computador. O local, na sala de estar, já está arrumado com mesa, poltrona e tudo.

*trabalho de David Hockney.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Considerações Tempestivas




Eu não gosto de certas canções de protestos. Elas são simplistas e demagógicas. Elas são panfletárias. Elas jogam na cara do ouvinte algum tipo de protesto. É a falta de moradia, é a carestia, é a difícil vida na favela, é o caos da violência urbana que decepa vidas jovens, é o barato da droga que anestesia os passos do cotidiano. Eu não sou insensível a esse tipo de movimento. Penso que no mundo onde estamos embutidos o espaço da diversidade deve ser o mais amplo e aberto possível. Acho que temos sim de lutar por uma sociedade justa e igualitária para todos. No fundo, no fundo, eu não discordo da utopia do mundo melhor, minha discordância é com o processo, o de como chegar até lá, que modos, que métodos são utilizados para construir um mundo melhor e possível. Tem gente que acredita na guerra, tem gente que acredita na violência, tem gente que acredita no confronto, tem gente que acredita piamente no caminho da divergência e da intolerância. Tem gente que acredita que o radicalismo é a solução para tudo, que devemos ir sempre na raiz dos problemas. Eu também acho que a raiz dos problemas não devem ser descartadas. É preciso analisar cada questão e tentar solver os pontos controvertidos de acordo com o que for mais razoável, mais crível, mais sensato. Isso se chama tolerância. O homem é uma criatura que pensa e que deve, por isso, agir com sensatez. Geralmente a solução dos conflitos não está na raiz, mas no meio termo. É assim que se resolve os impasses pela transação. Cada parte envolvida abre mão de certos bonus e benefícios para compôr. Isso se chama pacto e convergência. A via dessa convergência não ocorre apenas para resolver dissídios individuais, ela pode ser percorrida para resolver conflitos sociais muito mais amplos. Países que vivenciaram grandes conflitos sociais, como a Espanha da época de Franco e da guerra civil fez um grande pacto social exatamente para dirimir seus conflitos. E esse pacto deu certo, tanto isso é verdade que o país se transformou em uma potencia de desenvolvimento social. O mesmo ocorreu com Portugal, pós revolução dos cravos, com o Chile, pós Pinochet, etc. Certas canções de protesto não levam em conta nada disso. Elas simplesmente espalham o ódio panfletário por todos os lados, como metralhadora giratória. E se pegar pegou. Por isso eu não gosto de certas canções de protesto e detesto os panfletos da simplificação. Que o mundo mude, mas que mude com sensatez e tolerância.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Detetive


Vamos brincar de detetive?

Seu Blue está no escritório e é morto com um tiro que o atinge nas costas. Quem matou seu Blue?

Dona Red: Mulher de muito dinheiro, mas rancorosa. Gostava de seu Blue que não dava a mínima pelota para ela. Na hora do crime andava pela biblioteca procurando livros ocultos. Possuía um pequeno revolver vermelho.

Doutor Green: Amigo íntimo do Seu Blue. Colecionador de velharias, dono de boutique e companheiro de farra, tragos e mulheres. Na hora do crime, estava descansando na sala de músicas, ouvindo tranquilo as operetas pagãs.

Miss Pink - Amiga de Doutor Green e Seu Blue e amante de ambos. Ambiciosa, inimiga de Dona Red. Leva sempre na bolsa uma pequena pistola. Na hora do crime estava contando os talheres de prata da Baviera, na cozinha.

J. Black. Velho sovina e bêbado. Gosta de contar casos que nunca aconteceram. Carrega dezenas de processo por calúnia. Um difamador. Amante de Dona Red e espécie de "parasita" de Seu Blue que o acolhia sempre. Na hora do crime, estava catando rótulos de vinhos australianos na adega.

Dora White - Governante de seu Blue. Mulher adorável, amável e requintada. Segundo Dona Red, Dora White era amante de seu Blue. Na hora do crime, estava se olhando no espelho no hall de entrada a procura de rugas que deveriam ser extirpadas.

Jean Perdigoto. Assassino cruel e impiedoso. Dizem que matou mais de cem. Cobra barato pelos serviços, porque gosta de fazer o que faz. Na hora do crime conversava com Seu Blue sobre um pequeno serviço a realizar.

Chinelinhos se Arrastando na Ardósia




Quando Greta foi embora eu senti mal. Nunca pensei que fosse sentir saudades de Greta. Juro. Nunca pensei nela, nunca me preocupei com ela. Na verdade, confesso, eu nunca falei com ela. Ou melhor, eu nunca conversei com ela. Não sei nada sobre sua vida, se é casada, solteira, viúva, separada ou desquitada. Não sei que idade ela tem. Não sei se tem filhos, mãe, pai, avós. Não sei onde ela morou antes de vir para cá. Nunca me meti na vida dela, mas ela partiu. Convivemos quase diariamente, por exatos dois anos, na mesma casa. Eu tenho certeza absoluta, a gente se entendia. Greta sabia exatamente o que fazer, sabia a hora de levantar, de passar, de cozinhar, de ir ao armazém, ao mercado, sabia a hora do café, do almoço e do jantar. Sabia, sobretudo, pôr a mesa, algo muito difícil hoje em dia. Quando chegava à noite, ali pelas 7 horas, eu colocava no balcão da cozinha os 30 reais do dia seguinte. Todo dia, tudo igual, inclusive aos domingos. Combinamos que ela podia ficar com o troco e com o resto da comida. Eu não cobraria o pouso e nem as ligações telefônicas locais. Mas raramente ela telefonava. Era essa sua remuneração. Greta tinha, deixe-me lembrar, as pernas grandes, o rosto magro, a pele clara, o cabelo emaranhado, os pés imensos. Era mais alta do que eu. Greta Heller, sim esse era seu sobrenome porque está na caderneta das minhas anotações. Eu já sinto falta de seu cheiro, seu odor, sua voz forte, o ruído de seu inconfundível chinelinho se arrastando no chão de pedra fria. Nunca comentei nada com Greta. Não tinha porquê fazer isso. Nunca trocamos confidências e intimidades.

******

Os chinelinhos se aproximam devagarinho se arrastando pela ardósia e ingressando, sem autorização, no quinteto de Schubert. Eu preparo o drink do meio dia. Ela deveria estar na cozinha fazendo o almoço, como sempre fez. Mas ela estava ali na minha frente, me olhando fixamente. Seu Rodolfo o senhor me acha bonita? Eu gostaria tanto, seu Rodolfo, que eu fosse vista, ouvida, comentada, falada. Seu Rodolfo, eu gostaria de ser admirada. Juro que achei muito estranho toda aquela conversa, bastante íntima para o meu gosto. Pensei comigo, essa garota deve ter tido alguma desilusão. Fiquei quieto, completamente calado, como sempre faço. Em seguida, me dirigi à sala de jantar. Deixei a pobre coitada sozinha com seus devaneios infantis. No dia seguinte, bem de manhãzinha, quando lia o jornal perto da escrivaninha do escritório, ouvi o mesmo chinelinho vindo em minha direção. Dessa vez ela atropelou uma sinfonia de Brahms. Eu odiava aquele chinelinho que adentrava, sempre sem autorização, a orquestra de cordas e metais. Passo a passo se aproximava. Não me disse nada. Ficou calada me imitando. Não resisti e perguntei, o que foi? Vou embora, seu Rodolfo, os nossos assuntos a gente não resolve.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Mudando de Assunto




Aprendi vendo os bons filmes que o verdadeiro perdedor é aquele que nunca tenta, que se perde na repetição. De fato, o caminho mais fácil a seguir é o da repetição, porque ele a gente conhece, a gente sabe os detalhes, a gente não se perde. A gente sabe muito bem a entrada e a saída. Na repetição se administra, é possível se equilibrar sem muito mistério. Mas a vida na repetição se torna chata e repetitiva e por isso a sociedade nos pressiona para mudar. E se você não mudar você é chamado de perdedor ou de loser. E não existe nada pior no mundo do que ser chamado de loser. É preciso, portanto, mudar. Mudar a forma de vida, mudar o curso da repetição, inovar, fazer coisas diferentes, tomar outros caminhos, procurar as vias corretas, a medida certa, evitar as repetições, os mesmos vícios etc.


Juro que estou cansado de tudo isso. Já ouvi esse mesmo papo zilhões de vezes. E se eu escolher fazer da minha vida um vício de repetição? Qual o problema? Tá bom, vou sair na rua e as pessoas vão comentar, olha ali aquele loser. No primeiro momento um comentário desse tipo pode atingir minha alma e fazer doer o coração. Mas no dia seguinte eu vou esquecer, porque vou entrar novamente de cara no vício da repetição. Por acaso, a vida não é um ciclo? E o que é um ciclo? O ciclo não é uma repetição? Não passamos a nossa existência dando voltas e voltas ao redor de nós mesmos? Pois é, esse é o ponto que eu quero chegar. Não sei se você me acompanhou. De qualquer modo, esquece. Vamos mudar de assunto?

De Verdade


Ele
Você se lembra de mim? Sim? Não? Eu estava naquela fonte. Aquela fonte afrodisíaca no meio do parque cantando -- todo entorpecido -- uma canção de amor. E ai você passou e me faz cara de riso. Eu te vi e me encantei. E tentei te buscar pelas ruas da redondeza e nunca te achei. E agora estava ali naquele canto e você entrou. Eu falei para mim mesmo: Tobias, você não pode perder essa oportunidade. É agora ou nunca. Olhei para o espelho, cuspi no cabelo, ajeitei os botões da camisa e aqui estou me apresentando. Meu nome é Tobias, moro aqui perto, eu sei que sou maluco, que gosto de cantar, de cometer loucuras, mas eu sou do bem, não faço mal a ninguém. Nunca fiz. E você como se chama?

Ela
Bem, eu vim aqui porque estou morrendo de sede e fome, mas ando sem grana. Você poderia comprar alguma coisa para mim? Eu sei que é muita cara de pau da minha parte, mas realmente estou precisando. Tive um dia agitado, uma noite mal dormida, rodei por ai como uma gata louca e agora estou aqui, tentando me alimentar.

Ele
Gata, eu também estou sem grana, mas no apê onde moro têm coisas bem legais. A gente pode se divertir. Vamos lá, faz tempo que eu quero te fazer esse convite. Penso nisso todo dia, toda hora.

Eu
E na linda tarde de outono, quando a luz do dia é absolutamente nítida, eles se foram cantarolando pela grande avenida cheia de palmeiras. Não sei se eles foram felizes, porque nunca mais os vi e nunca mais os encontrei. Mas eu tenho certeza absoluta que eles viveram ali, naquele primeiro encontro, momentos de ousadia e determinação. Eles simplesmente se apaixonaram.

Eu vi


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