Buscando não se sabe bem o quê.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Quando?



Ela abraça o aparelho porque está com saudades da voz.
A voz que ela mesmo esqueceu, porque não se lembra mais.
Do timbre, da colocação, da postura.
Mas ela espera, porque ela sempre esperou.
Porque assim a vida ensinou.
E ela se posta na cama adormecida a espera da ligação.
Que nunca chega e nunca vem.
A manhã aparece e o equipamento está sem bateria.
E ela recarrega ainda esperançosa.
Que ele algum dia ligue.

Perspicácia

Minha cegueira imensa, vazia, curta. Entra em mim e se apodera de todo o meu corpo. Quem dera um dia eu poder escapar de tamanha insensatez. Eu, um ser ingênuo, pobre e incapaz que cai na armadilha criada pela minha própria imagem e semelhança. Como se fosse um pequeno deus tonto, perdido em alma, em razão, em sentimentos baratos conquistados nas vidas diúrnas e noturnas. Por entre porres e bebedeiras, compromissos e reuniões. E assim me divido, e fico caminhando em contraste, deixando de assumir os meus próprios paradoxos.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Atualizações



Porque  o corpo está prestes a cremar.  Ele jaz profundo, silencioso, branco como a alma. Recém  desligado ele fica distante, fechado no canto, enquanto todos aguardam  a cerimônia final. Ouvem-se vozes,  conversas. Os assuntos, depois de muito tempo, devem ser atualizados. Os endereços foram devidamente anotados. As diretrizes determinam que as  conexões não podem e nem devem cair, há de se manter intacta a rede de interação moral. Todos guardam o devido respeito que o ato exige, as vestimentas:  sapatos,  blusas,  casacos, tudo adequado e apropriado.Todos navegam em volta de seus grupos que se fecham em pequenos círculos, anotando feedbacks  e atualizações. É importante, também, como requer a boa organização,  que se delete o nome e os dados daquele cujo corpo vai ser imediatamente queimado.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A Arte de Dirigir


Ela ficou p. da cara porque ele implicou. Ela disse bem assim: você está utilizando esse espaço para implicar comigo. Tudo começou por causa de uma mensagem ou de um post sobre o ato  de dirigir. Ela defende a inusitada tese de  que o bom de dirigir é andar nas grandes avenidas livre, leve e solta e ouvir uma boa música, mas na hora de estacionar, é muito chato, é muito ruim, é muito estressante. Ele, ingenuamente, fez um comentário de que dirigir é uma arte e que, portanto, não é algo que possa ser bem executado por qualquer pessoa. O ato de estacionar exige calma e disciplina e não se pode ficar estressado por conta de carros que buzinam ou motoristas que ficam possessos, porque um carro está simplesmente estacionando. Estacionar é um direito. E além disso, é uma arte. Um carro bem estacionado é como uma pintura, um belo texto ou uma escultura maravilhosa. Não é fácil para o motorista ou a motorista (sim existem boas motoristas, eu acho) inserir seu veículo num espaço pequeno e manejar, manejar, manejar até deixar aquela coisinha 10 centímetros da calçada. Isso não é para qualquer um, tem de ser um artista, tem de ser expert. E por conta disso, ela ficou muito indignada com ele. E ele riu, porque ele sempre ri quando ela fica uma fera.

O inspetor, atentamente, ouviu toda a discussão e, depois de tirar o palito da boca, tomou nota no seu caderno encardido.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A Última do Inspetor


Pois o inspetor -- que andava cansado e aposentado -- foi chamado para uma tarefa das mais difíceis e inusitadas. E lá se foi ele com seu caderninho e lápis na mão, com seu capote bége, seu terno mal engomado e a famosa gravata roxa que era de seu pai, mas isso não faz parte dessa história. Na verdade, ele recebeu um chamado de um certo sujeito. Estacionou o maverick bem em frente ao local indicado, porque o inspetor é mestre na arte de estacionar, e apertou a campainha. O tal  sujeito veio ao seu alcance. Olha, tá tudo muito esquisito. Ele simplesmente parou de reclamar da vida e passou a viver com sorriso no rosto. Dá gargalhadas espontâneas e nunca mais voltou a falar em sofrimentos, angústias, lamentos e ressentimentos. E ela, tadinha, perdeu a paixão de ler e está sempre preocupada com ele. Acha que ele vai ter um treco, que ele não tem idade para essas coisas e não sabe porquê motivos ele anda tão tresloucado. O inspetor olhou fixo para o sujeito e pediu um café. Olhou para os cantos, olhou para os lados, tirou do bolso o palito e enfiou por entre os dentes amarelos. Em seguida, anotou no seu bloco de notas algo que não se pode bem identificar enquanto degustava o café quente com muito açucar. Depois de tantos minutos ele se levantou, caminhou até a porta e exclamou em tom firme, porque o inspetor sempre foi muito seguro de si. O senhor, por gentileza, pode abrir a porta para mim? O sujeito - meio sem o quê dizer -- perguntou? E aí, o que está acontecendo? A vida é assim, tem horas que as pessoas pensam em transgredir e isso não é nada  grave.

Eu vi


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