Buscando não se sabe bem o quê.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Focos Obscuros de Uma Certa Memória




Descobri que existe noite. Que é possível dormir até mais tarde. O gosto do vício que também alucina. A comida que faz engordar. O líquido responsável pela embriaguez. O sabor do fumo que intoxica. A música que leva viajar.Descobri o lado do fascínio. Minha visão e sensibilidade, enfim, atingiram um outro ângulo. Não estava preocupado com o sentido da vida ou com a finitude de tudo, pois era muito jovem. As mulheres e suas saias me interessavam e passava a procurar seios na televisão bicolor tarde da noite, quando todos dormiam. E ficava horas esperando que aquilo acontecesse. E muitas vezes não acontecia. Frustrado, morrendo de sono, dormia. Sonhava como sendo o chefe glamoroso de uma família linda, de médicos ricos, donos de um grande hospital. Imaginava ela maravilhosa, linda, magra e inteligente, tinha até nome. Geramos filhos esbeltos e saudáveis. Todos formidáveis. Mas foi por pouco tempo, porque me desinteressei. Virei rebelde. Passei a contestar. Gostava de discutir. O cabelo cresceu, os tênis sujaram, as roupas ficaram estranhas. Andava de ônibus com a multidão de trabalhadores proletários, o que alimentou radicalmente o meu rol das pequenas descobertas. Comecei a ler entusiasmado os escritores malditos, aqueles que minha turma nunca lia. Anotava as palavras mais radicais. E vibrava com tudo aquilo. Usava nas conversas, debates e discussões. Virei um chato. Percorria as ruas populares e escuras no mais sagrado anonimato. Ninguém sabia, porque ninguém me via e eu não contava. Ninguém reconhecia, porque eu estava disfarçado. Era sempre tarde da noite.Depois dormia e sonhava. Não sei quanto tempo isso durou, porque não lembro mais de nada. Apenas pequenos fragmentos que eu ainda descubro em alguma prateleira que deixei aberta.

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Eu vi


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