Buscando não se sabe bem o quê.

sábado, 1 de setembro de 2007

Quando era obrigatório parecer feliz


Quando era obrigatório parecer feliz


Mary Del Priore - historiadora e autora de "O Príncipe Maldito - Uma História de Traição e Loucura na Família Imperial", editora Objetiva.


Toda a sociedade extrai a matéria de seus sonhos de algum lugar. Durante anos, este lugar foi a Inglaterra, encarnada numa loura de olhar bovino. Lá, em junho de 1981, Lady Di se casava num conto de fadas. A cerimônia foi assistida por 1 milhão de espectadores. Em 1995, como qualquer plebéia, ela confidenciava a espectadores atônitos que seu casamento ia mal. Um ano depois se divorciava e, em 1997, numa noite em Paris, apagava-se. Morreu aos 36 anos, dos quais dezesseis foram vividos na telinha.Para além do casamento real, a década de 80 assistiu a mudanças importantes. O comércio viveu um boom nunca visto. Só se falava em globalização financeira, enquanto McDonalds e outras marcas se difundiam planeta afora. Mas a mundialização foi também um "longe mais perto". A CNN foi criada em 1980. No campo dos comportamentos femininos, os sonhos igualmente se amplificavam: ganhar dinheiro, tornar-se uma estrela, ser bela e feliz eternamente. Mas sempre sem esforço. A agenda das mulheres cresceu: elas tinham que se mostrar plenas, bastar-se, tinham que "existir", enfim. Esta felicidade sob medida se encarnava na publicidade e na mídia. Nas sociedades industrializadas, ser feliz se tornou o "único bem supremo", diria Aristóteles. Uma tal sede de viver se exprimia num credo: "se dar prazer". A ditadura da felicidade a qualquer preço estigmatizava as infelizes. Espírito do tempo A princesa embarcou no seu tempo. Juntou a receita de ser feliz com a potência mobilizadora da telinha. Ela mais queria se dar a ver do que a conhecer. Por meio da televisão, ela dividia com todo o mundo as suas emoções. Mas por trás do olhar bovino ela também entendeu que ninguém nascia sedutora. Não bastava ter um corpo e colocá-lo em ação. Era preciso transformá-lo num catálogo de signos. Ela usou todos os recursos -roupas, maquilagem, festas- para promover a fotogenia de sua sedução. Sua vida íntima se transformou num fundo de comércio: fotos na ginástica, gravações com amantes, intimidade devassada. Mas também se erigiu em campeã de filantropia audiovisual, lutando contra a Aids e a lepra ou contra as minas nos campos de Angola e da Bósnia. A adúltera dava lugar à santa. Num jogo de montagens narcíssicas, ela celebrava a tal felicidade obrigatória. Mas os anos 80 embutiam um outro sucesso: o da depressão. Mais e mais esse sofrimento se tornava comum. E ela mergulhou no problema. Tornou-se bulímica. Tentou o suicídio. Enquanto isso, deixava a mídia resolver seus problemas de alcova. Famintos, os espectadores colhiam cada migalha deste misto de sonho e interdito. O fim de Diana, debaixo da ponte d'Alma, lhe permitiu um último recurso televisivo: uma missa universal transmitida por quarenta canais. Outros cultos se sucederam: peregrinação, flores no palácio de Kensington e, por que não, a fundação do "Diana Land". Detalhe: só 10% dos rendimentos desse mausoléu-museu se dirigem a obras de caridade. Na era da sociedade de massas, a princesa de massas virou um produto no mercado de mitos. Mistura de Sissi traída, de Marilyn suicida e de James Dean, morto ao volante, Diana preencheu o papel de uma mulher presa nas armadilhas do seu tempo. Como só era boa em piano e esportes e não gostava de estudar, teve poucas chances de olhar com recuo para si mesma. Preferiu ser sonho a ser verdade. Na mesma época, morreu Teresa de Calcutá. Uma outra mulher do mesmo tempo, só que acima das religiões midiáticas. Alguém se lembra?

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