Buscando não se sabe bem o quê.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Fim de Noite




Quando a luz da gambiarra se apaga os neurônios se tornam firmes. Arrotando os sais da noite anterior o coração desfalece. O cansaço é manso. O mundo parece estar em ordem apesar das crises cíclicas. Ele fecha o notebook, mas não consegue disfarçar sua culpa arrependida. A casa escura faz as almas aposentadas refletirem no inconsciente da cama. Hoje todos têm a mesma certeza: aquele casal se ama e se ama muito. Na verdade, eles se toleram, porque nunca foram a fundo nas tormentosas discussões. Vida passional não combina com a boa educação. É preciso sempre manter a compostura. E a postura. Cansado do dia vivido ele senta no canto da cama e contempla a companheira que sonha canções antigas. Ele limpa o quadro postado no canto da cabeceira com o dedão, porque o retrato estava sujo. As traças estavam comendo as memórias. Um dia os insetos vão tomar conta da vida. Sua narrativa já não era mais a mesma. Ele passava por dificuldades. Mas nunca é bom pensar no assunto. Do que adianta tanta prudência e tanta cautela se no fim das contas a famosa felicidade se apoia na eterna rotina? Ele ficou triste naquele momento de poucos segundos. Ergueu sua perna cansada para dentro do cobertor quente e deitou sua cabeça no travesseiro leve. Sentiu, naquele momento como nunca antes, o odor profundo de sua própria velhice. O desafio era superar seus falsos limites. Mas tudo se arruma. Tudo se arranja. As coisas se arreglam, como dizia a velha tia que morreu no início da década de 70. Lembrou dos problemas já resolvidos e sorriu silencioso. Estava, enfim, relaxado e naquele dia manteve o eterno cuidado de não tocar nela, porque ela dorme bem e a vida é muito cansativa.

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