Buscando não se sabe bem o quê.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Voz



Forneci todos os meus dados, minha íntima vida privada. Tive confiança na pessoa, sei lá, simpatizei com sua voz, com sua maneira de se comunicar de dizer as coisas como elas realmente são. E por isso abri minha vida para ela. Desligamos as conexões, desplugamos os plugs da nossa ligeira união  e passamos a viver a continuidade das nossas vidas, vidonas ou  vidinhas. E passo pelas ruas a olhar os semblantes de quem passa. E passo a procurar enquanto passo. Sem sobressaltos, sem rancores ou cicatrizes vou escolhendo um a uma, uma a a uma, alguém que possa ter as feições daquela voz singela, autêntica ao ponto de me tocar tanto.  E fui descobrir depois, porque depois a gente sempre descobre, que meus dados foram divulgados na listagem das grandes companhias que insistem em me chamar para vender planos, sonhos e créditos. E toda hora eles me ligam, no sábado, no domingo, a meia noite, de madrugada. Eles sabem meu nome completo, onde e como nasci, sabem os detalhes da minha ansiedade, as voltas da minha depressão, os traumas das minhas passagens. Troquei de número, mudei o aparelho e nada adiantou. As ligações continuaram e com muito maior intensidade.Um dia, farto de tudo, resolvi me desplugar do universo. Hoje não falo mais com ninguém. Dizem que surtei, que me isolei, que sou um outsider. Não sei o que sou. Só sei que ainda procuro, no meio da multidão, o dono ou a dona daquela voz singela que tocou meu coração.

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