Buscando não se sabe bem o quê.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Minha Fábrica de Consenso


Meu coração incomodado chegou tarde na palestra. Olhei para as horas e percebi o atraso. Resolvi ficar quieto no canto da mesa principal. Enquanto isso eles estavam falando sobre um assunto polêmico e pitoresco. O sociólogo orador, citando Hegel, manifestou seu ponto de vista: "quanto mais o homem domina seu trabalho mais impotente ele mesmo se torna. Quanto mais mecanizado se torna o trabalho, menor valor ele tem e mais arduamente deve o indivíduo trabalhar. O valor do trabalho decresce na mesma proporção em que cresce a produtividade do trabalho. As faculdades do indivíduo são restringidas de modo ilimitado, e a consciência do operário é degradada ao mais baixo nível de embotamento."


Quando essa explanação terminou e os aplausos se ouviram - eu pedi a palavra. Notei que haviam protestos significativos contra a minha presença. Murmurinhos começaram a se ouvir de um lado e do outro do auditório. Os burburinhos gradualmente começaram a aumentar. Uns mais perturbados pediram para eu calar a boca, mas eu nem havia iniciado a falar. Outros insensatos exclamaram que eu sou um vendido, um venal, que eu defendo os interesses dos poderosos, dos donos dos mecanismos e das estruturas, que eu sou uma espécie de 'lambe botas' do mundo da exploração.


Quanta contradição nessa sala do espanto. Eu que sempre admirei Hegel e creio, com toda a minha fé, na força da dialética. Eu -- que já perambulei pelas calçadas de Tübingen, universidade do velho professor alemão, que já presenciei o mundo real de forma concreta e, no imaginário, sempre adequei meus pensamentos e expressões no mundo mais justo para todos -- estava sendo massacrado pelo coração algemado das idéias rançosas.


E a promiscuidade das mentalidades confusas se fazia presente ali naquele auditório de algumas pessoas. Não lembro, ao certo, quantas eram, mas eram poucas. E tenho notado que é essa a realidade do mundo que estamos embutidos. A voz de poucas pessoas se multiplica ao ponto de se confundir com a voz sensata e perene do povo. Quanta injustiça para com a triste plebe que não participa de nada e não tem condições de frequentar reuniões como aquela.


Mas eu estava ali atônito, tonto com tamanha zombaria. Eu que sempre tive o santo cuidado de lavar com água bem límpida os mofos , os bolores e os ranços do meu cérebro. E estava ali, numa situação para lá de inusitada, em contato direto com os donos de uma razão sem prudência. Minha tolerância foi ao limite. E desabei a expressar meu ponto de vista.


Minha voz se ergueu no meio de todas as vaias e falei sobre a contradição, sobre a força das oposições que se resolvem em unidade. Disse com voz forte que acreditava na construção do consenso, que a natureza humana caminha na direção da convergência, apesar dos olhares reprovadores da divergência. Minha garganta vibrava de forma sublime em defesa de uma síntese construtiva. Aquilo doia, porque eu gritava. E bradava com toda a força do mundo contra os ideais da dialética sem síntese. Quanto paradoxo. Quanta insensatez. Eu gritava, além da conta, para além das paredes do auditório. Para que o mundo inteiro me ouvisse.


A hora passou e antes de devolver a palavra à presidência eu agradeci de coração à oportunidade. Disse que estava feliz de esboçar ali, naquele momento, para um auditório encolerizado, os ideais da construção de uma harmonia. Quando terminei ouvi um aplauso significativo no fundo da sala: era o inspetor que havia guardado no bolso seu bloco de notas e se levantou, com entusiasmo, para me aplaudir. Eu não mereço tão grande homenagem.

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