Buscando não se sabe bem o quê.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

De Olho em Mim


De toalha na cintura, senta. Olha a tela. Molhado. Suando. A tela ali. Acesa, enigmática. E a mensagem aparece, ela está posta. Era o que se imaginava. Mensagem assim tem que ter resposta rápida. Muito, muito rápida. Mas ele está de toalha ali, todo molhado, suado. Quanto tempo para secar? Meia hora ou duas? Que isso que nada, menos que isso, muito menos. Não há mais tempo para esperar e dane-se o mouse, o teclado, a tela, os programas, os arquivos. Dane-se tudo. Digitou: Não posso, hoje não posso. É perigoso, muito perigoso. Estão de olho em mim, todos os cantos de olho em mim. A toda hora, de olho em mim. Em todo lugar, de olho em mim. Faço algo, de olho em mim. Faço nada, de olho em mim. A conversa está encerrada ele fecha tudo e vai para o quarto se secar.


Adormeceu e acordou apenas no outro dia. Tinha sol, era o que se imaginava, pela fresta da janela, a cortina mal fechada. Observou, tinha muito sol e era sábado, domingo ou feriado. Não se lembrava. Fazia tempo que estava ali, quase trancado, sem contato, apenas um, sozinho. E pensava: estão de olho em mim. Todos eles de olho em mim. Faço isso e aquilo, de olho em mim. Então, ele fechou a única fresta de sol que restava no pequeno recinto. Submisso sentou no canto, na única cadeira perto da única mesa, longe da única porta. O centro da cidade respira e ele ali ofegando. O centro da cidade grande desperta mais cedo que os outros bairros. As pessoas circulam pelos corredores dos edifícios, as portas ficam trancadas quase para sempre. O vizinho não conhece o outro. Só de vista. A porta estava ali. Não conhecia ninguém no prédio. Nem procurava conhecer. Mas olhava fixo para a porta. Qualquer hora ela vai abrir. Um banho quem sabe? Um novo banho. Um novo corpo limpo.


Com a toalha na cintura ele senta. Molhado, suado e sentado. A tela está cheia novamente. Muita gente no comando. A mensagem aparece. Não é possível, pensa. Molhado, pensa. Um tempo, um grande tempo. Um dia ou dois, ou algumas horas. Não é possível continuar assim. A porta abre, um sujeito aparece. É o inspetor, ele está no comando. Pergunta: o que fez hoje? Nada, olhei a janela, tinha sol e fechei. E ontem? Tomei banho, olhei para a tela, digitei duas mensagens e dormi. E o que vai fazer depois? Não sei. Alguma sugestão? Nenhuma. Amanhã ou depois eu volto, passe bem. E o inspetor foi embora. Não era sonho, nem nada. Era apenas o inspetor e seu grosso bigode. Grandes cílios e boca com cheiro de cachimbo. O inspetor está de olho, ele controla. Ele está de olho em mim.


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