Buscando não se sabe bem o quê.

terça-feira, 10 de março de 2009

Cubículo


Está quente. Nada funciona por aqui. Enclausurado o mormaço toma conta. Olho para ela que está suando. Vejo sua maquiagem carregada se desmanchando. Não sei quantas horas ou quantos dias. Não aguento mais ficar aqui. Ela reclama, chega a gritar. Ela me fala de seus filhos, seu trabalho, todas as suas mazelas. Ela fala e repete. Já sei toda a vida dela. Isso tudo está ficando muito desagradável. Desconfortável. Não há espaço nem para tomar um copo de água. A garganta seca. Quero ficar sozinho, mas não posso. As pernas doem. Tudo doi, inclusive a alma. A porta não abre. Ela está lacrada. Eu juro que sou inocente. Eu juro.


Respiro pausado para não ser ouvido. Quero cair no esquecimento. As horas passam. Ouço vozes na sala ao lado. Pessoas se cumprimentam e começam a falar sobre abobrinhas. O jogo de ontem do fim de semana, as últimas notícias do jornal, o fim da novela das oito. Não estou interessado em nada disso. Quero dormir no silêncio e no esquecimento. Fecho os olhos e o sono não chega. Passo a escutar uma conversa que não me interessa. E ela vai longe.


Ela quer que eu responda uma pergunta que me fez. Sei lá do que ela está falando. Não estou interessado. Não ouvi nada. Ela me enche o saco, porque quer uma resposta. Eu nem sei que pergunta ela fez. É tarde, é madrugada, é manhã cedo. Pouco importa o tempo. Eu quero é sair daqui. Ela faz perguntas sobre minha vida. Eu não quero responder nada. Quero ficar quieto, absolutamente quieto. Se me chamarem eu confesso qualquer coisa. Não é necessário nenhuma tortura. Eu já estou sendo torturado.


A porta se abre e chamam por ela. Fico sozinho e aliviado. Poderia ser eu, mas ela foi chamada. Pelo menos estou sozinho e começo achar interessante as paredes da minha solitária. Elas estão todas riscadas com autógrafos, desenhos e frases. Leio tudo até que minha diversão acaba. Olho para a porta fria que não abre. Aqui está ficando escuro. Não sei que horas são lá fora. Se é dia ou se é noite. Simplesmente não sei. E não sei de nada, porque esqueço

Pronto, enfim a porta abriu. Gritaram o meu nome. Assumo meu nervoso silêncio. Ajeito os cabelos emaranhados. Devo estar com bafão. Minha cara só podia ser de cansaço. Pelo menos sai do cubículo. Está na hora de prestar os esclarecimentos. Meu depoimento não deve valer nada, porque os fatos foram todos revelados pela câmera do estabelecimento. A história é sempre a mesma, estava sem grana, tinha que fazer algo e fiz. Fui parar no cubículo.

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Eu vi


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