Buscando não se sabe bem o quê.
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
O Show Vai Começar
Estamos atrasados. Faltam 30 minutos e está chovendo. Todos os sinais estão fechados para nós. Percorremos as ruas da cidade em direção ao teatro. A chuva molha e como molha. Atravessamos o centro de costas para a opressão. Recolhemos nossos centavos para ninguém pegar. Depois, estacionamos na escuridão de um espaço seguro. Abrimos os guarda-chuvas. Controlamos os passos com receio de resvalo, queda ou assalto. O baleiro nos espera com sua cesta grande. O colorido das marcas contrasta com a noite molhada. Os trocados inúteis servem para alguma coisa. Adquirimos balas de menta, de tangerina e um punhado de amendoim. O local está lotado e todos estão sentados. Nossas cadeiras de veludo estão livres. Sorrimos. Tiramos fotos e conferimos o resultado. Pronto, o show vai começar. É tango, é tragédia, mas estamos todos bem.
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Tempo que Vai do Nascer do Sol ao Meio Dia
Um quarto, uma luz sintética, mas escuro. Observa-se a penúmbra. Sente dor na nuca. A mesma dor na nuca. Detalhes menores que incomodam. Típica sensação epidérmica que incomoda. É como dor muscular na coxa, é como unha encravada. Mas a história é outra. De acordo com o gosto dos outros se aprende, então, a gostar. Numa hora, num certo momento de vida, percebe-se a insensatez. E chega a crise da contradição. O que fizeram de nossa existência? Viramos fumaça e tentamos reaver o paradoxo do retorno ao passado. Busca-se, então, uma narrativa discreta e silenciosa para ninguém ver. Uma solução final. De fato, ninguém percebeu a nossa luta pelo óbvio. A aposta que vale é no bem estar e no mesmo número na loteria. Tudo isso pode gerar um grande e incontornável erro. Não adianta gritar e nem berrar, porque sempre existe saída. O importante é acordar. Faz tempo. O doutor prescreveu certos remédios tendo em vista a dificuldade de dormir e a dificuldade de acordar. É bom estar ali com o corpo lerdo, faltando vontade, sentindo frio. Por isso existem as cobertas. A culpa é sempre do despertador que atrasa ou não toca. Então se indaga: que horas são?
Cotidiano
Vida. Poucas luzes. Opacas. Fluorescentes. Brancas. Cadeiras e Mesas. Fórmica. Louças de ferro. Arroz na mesa. Um pouco de linguiça. Um quarto só. No meio da sala. O fogão que aquece o ambiente. Tudo velho. Enferrujado. Panelas sujas. Hoje faltou água. Não tem grana para o gás. Amanhã vai faltar luz. Ontem o barraco da esquina incendiou. O vizinho do lado foi preso. Não se sabe porquê. Mês passado um corpo foi executado na porta da frente. Um tiro alcançou a porta da geladeira. Está ali a marca, como se fosse um souvenir dos tempos de hoje. Jesus alegria dos homens, seu coração está afixado na parede principal da pequena sala. Sobre o sofá vermelho duas crianças dormem. Elas continuam respirando. Até quando?
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
No Canto do Jornal
Viajo. Vejo multidões. Migrações e imigrações. Fluxos e refluxos. Chamamos isso de civilização. Passeamos pelas periferias. As casas tristes e incômodas. Poucos cômodos. Muita gente. E lá estava Isaura. Menina de vestido branco e pele escura. Sua alvorada ainda não floresceu. É nome de cidade. Consideravam ela a alegria do lar. Ela morreu ontem. Baleada no estômago por uma bala perdida. Quem foi que atirou? A polícia, os traficantes? Ninguém sabe. Ela faz parte da pequena notícia nas páginas finais no canto do jornal. Quase ninguém percebeu.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Fragmentos da Semana
Como um deus universal circulo pela casa vazia. Vejo os cômodos, as roupas passadas e guardadas nos armários, os brinquedos organizados, os livros na estante. Tudo está muito bem organizado. Existem rachaduras na parede vermelha. O engenheiro deve ser chamado para dar um jeito. O orçamento da tv que quebrou é caro, é mais do que eu esperava. Vou para a loja verificar o preço de uma nova. Pelo menos, as novas são mais leves.
Sentado na frente da sociedade do espetáculo eu curto a vida tempestiva. Ela é rápida e pode parecer sincera. Mas ela engana, porque ela pode ser sórdida. O homem bom, do tipo samaritano, tem que estar preparado para tudo. Hoje de manhã ouvi uma história triste. Meu devedor teve problemas na vida e me sensibilizou. Meu crédito anda abalado. Ele quer reduzir o valor da dívida em 5%. É muito pouco eu disse. Procure-me a semana que vem.
Mentiras
Um rebelde, desses que adoram pixar o muro dos outros, saqueou o CPF de um parente meu. Tirou dinheiro do banco e fez festas e festas com a grana. Meu primo está desesperado. Ele perdeu o controle de sua vida.
O jornal dominical sempre pergunta para as celebridades: quando vale a pena mentir? As respostas são as mais variadas. Uns hipócritas dizem que nunca. Outros, mais sinceros, respondem: depende, de vez em quando. Outros complementam: quando for necessário ou para não apavorar o o coração das pessoas.
Como eu não sou celebridade, o jornal não vai fazer para mim essa pergunta. Mas seu eu tivesse que responder alguma coisa eu me calaria. Mentiria calado.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Intranquilidade Perseverante
Eles me copiam. Adotaram meu nome, sobrenome, minha idade, minha experiência e dedicação. Fui plagiado pelos fariseus impostores e não faço nada. Não reclamo, não dou soco na cara, não dou beliscão e não puxo os cabelos. Eu simplesmente silencio. Ajo com temperança, educação, cordialidade e civilidade. Acredito na civilização, mas juro por deus que fico louco de raiva. Eles me copiam, eles me debocham, eles dizem falcatruas e eu fico omisso. Digo amém. Sou um ser composto de alma gentil. Sou educado, cortês, polido. Eles atiram pedra no que eu digo. Eles vomitam sobre as minhas linhas. Chamam-me de anta, fascista, nazista e sionista. Eu respondo com argumentos sólidos e consistentes. Do que adianta? . Eles replicam com a paixão da ignorância. Eles são ressentidos. Carregam amarguras. Eles não querem saber a respeito da história real. Eles repetem o discurso monolítico de sempre. É tudo muito chato. E eu tenho um saco dos diabos.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
O Jogo da Depressão, Mas Cuidado com o Suicídio
Por que tanta fossa? Essa dor de cotovelo inverossímil. Por que alimentar o ressentimento dos fatos obscuros da vida? Cada um administra sua vida como pode ou como quer. Cada um é cada um. E o problema é de cada um. Mas pode se estender aos outros. Nem sempre ocorre, mas ocorre. Mas tem gente que faz força em não se ajudar. São pessoas que caem no buraco e não fazem a mínima questão de sair dele. Não se ajudam, não se acompanham, não se analisam. E existem pessoas que fazem sucesso na vida, têm nome, identidade, dinheiro e fama e mesmo assim ingressam nos corredores intermináveis da fossa e se atiram numa banheira para tentar o suicídio.
O Albert, o Camus, no mito de sísifo, chegou a conclusão de que "Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, aparece em seguida. São jogos. É preciso, antes de tudo, responder. E se é verdade, como pretende Nietzsche, que um filósofo, para ser confiável, deve pregar com o exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, já que ela vai preceder o gesto definitivo. Estão aí as evidências que são sensíveis para o coração, mas que é preciso aprofundar para torná-las claras à inteligência."
Não sei se julgar se a vida vale ou não vale ser vivida é a questão fundamental da filosofia. Juro que não raciocinei sobre essa assertiva. Mas não posso deixar de reconhecer que tudo isso é mesmo um jogo. Na verdade, comecei este post pensando na Maysa, a cantora, cuja série está passando na Globo. Ela tinha tudo para ter um vida feliz, mas se afundou no buraco da fossa. E sua canção é pura dor de cotovelo. E ela fez sucesso exatamente por cantar canções amargas de acordo com o gosto de um época para lá de carola. O jogo da Maysa é a depressão. Era época do existencialismo, da nouvelle vague, das mulheres de cabelos curtos e calças cumpridas. Tempo de transformação de idéias e costumes que gerou o nosso tempo. Faz parte. Mas o jogo da Maysa não chegou ao final. Foi interrompido no meio da ponte Rio-Niteroi quando uma brasília azul espatifou na marquise. Estava resolvido ali aquele problema filosófico. Engraçado, o Camus também morreu em acidente automobilístico.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
Os Enamorados
Esbanja essa cara oca, o amor troglodita que vislumbra próximo. Ele bate - ela bate. Eles dizem que se amam. Eles se detestam e se adoram. Eles se unem e se glorificam. O tempo passa só para eles. Nada mais é sublime. Nem mesmo o tempo dos outros. Espanto. Flores molhadas pela chuva que cai sobre o vaso no jardim. Ele descansa, ela descansa. Os dois dormem e o perigo mora lá fora. O perigo é o medo que mata. É a forma equivocada de reconhecer a intimidade perdida. Ela esbanja - ele esbanja. Tem medo do quê? Tem fome do quê? Eles se comem no mormaço. Gotas suam escorrendo dos rostos encostados. Alaga a pele e os dedos. Eles gozam perenes e dormem porque procuram descanso.
Passa a tarde, passa a tardinha, a noite chega e eles dormem. Dormem como se fosse para sempre. Dormem doidinhos. Dormem pelados. Dormem como macho e fêmea. Dormem saciados de fome. E quando acordam o dia já passou e tem muita noite pela frente. Nessa hora ninguém tem fome. Ninguém tem nada. A idéia é uma só. Sair.
Eles giram a ignição de seus carros e marcham contentes para a boemia da grande cidade. Suas curvas e cheiros estão prontas para abocanhar machos e fêmeas, fêmeas e machos. E nessa conjuntura eles partem na direção do conhecido desconhecido. Em que cama eles restarão postados? Mas existe a possibilidade deles acordarem juntinhos, no mesmo colchão molhado de líquido, de febre e gozo, de manchas e sonhos, de sublimação e desvios.
Retratos Falados
Perda de tempo. Senil. Rudimentar. Largas amarguras. Sublimes deteriorações. Corações sagrados. Rastros atormentados. Livros esgotados. Camas mal feitas. Quadros divididos. Toneladas de insensos. Gozo pelos cantos. O gosto das amoras. Banheiras enormes. Febre terçã. Infidelidades finitas. Tormentos igualitários. Registros cartoriais. Contratos bilaterais. Bombas caseiras. Versos mal sucedidos. Tapa na cara. Rojão. Separação, divórcio, reconciliação. Amadorismo, profissionalismo. Vingança. Desejo obscuro. Pessoas simpáticas e gentis. Presentes no temporal. Amor obsceno, louco e rápido. Paixão trivial. Câmera digital. Cheiro de violeta. Calcinhas fumegantes. Flores entusiasmadas. Gosto da conquista. Esquizofrenias igualitárias. Narcisismos. Flores de abril, de março. Tempestade. Palavrão. O tempo que revigora. O amor que sobressai. A fala que não vem. O tempo insensato. O gosto pelo sublime. Quintal vazio. Casa molhada. Cueca mofada. Lembrança sutil. Tv quebrada. Vidas amorcegadas.
Eu, Sultão
Minha Sherazade adormecida. Eu fico cego diante de tuas histórias ocultas. Eu quero e não quero saber. Vivo o dilema do horror de conhecer. O velho Pessoa também tinha preocupações desse tipo. E você me faz dormir bem. Minha cabeça no travesseiro fica mais leve e meu pensamento fica sombrio. Sinto teu cheiro pegando no sono. Olhar para cima, furtivo, vivo, tenaz. Tua firmeza me comove. Teus passos me excitam. Tuas histórias me incomodam. E vejo o detalhe sombrio e viscoso nas histórias que tu contas. Elas me fazem estimular os mais intensos ímpetos. Talvez sejam horas irrefletidas, cheia de tesão, neurose, satisfação e sublimação. Amanhã eu esqueço e sigo a vida.
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Minhas Marcas
A marca do sol fica. Tenho aqui comigo a marca do sol do verão de 64. Ela está guardada bem ali no contorno do meu punho. Tenho uma outra marca, na têmpora, da catapora que peguei em 68. É uma marca sutil, mas está ali. As cicatrizes são marcas dos erros, das confusões e das imprudências. Um limão mal cortado de uma caipirinha em 86 está marcado no meu dedo "fura bolo" esquerdo. Este ano fui cortar um mini pão e atingi o mesmo dedo, mas em outro local. São marcas que ficam. Eu poderia me tatuar e estampar em mim uma marca definitiva. Já pensei em colocar uma pequena caveira de pirata no meu ombro direito. Certas marcas vão embora. Outras te acompanham até o caixão. Existem marcas que a gente esquece. Outras que marcam profundamente. Eu sou um deletador de marcas. As vezes estranho que não consigo excluí-las integralmente. Tem horas que penso na vida e aquela marca deletada volta a tona com força total. São marcas que ficam perdidas nos labirintos das prateleiras da memória. A gente engaveta e um belo dia elas surgem inconsequentemente e dizem alô, voltei....
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