E um dia chegou o juízo final. A multidão se reuniu no centro de todas as grandes cidades e nas pequenas também. O povo nas praças e nas ruas ao lado das igrejas de todas as religiões. Eram tempos de fé. Os sinos badalavam convocando os fiéis de todas as partes. Vai ter quermesse. Vai ter fogos de artifícios. O representande divino fala ao mundo e abençoa o povo vivente. Reza silencioso e conclama todos a manter a calma e ter fé, porque quando chegar a hora vai começar a distribuição das senhas. Todos ficam emocionados, Mães abraçam filhos, pais abraçam mães e filhos, avôs abraçam avós, companheiros, companheiras, namoradas, namorados, crédulos e incrédulos. Que dia de graça, exclamou o vivente do fim da fila: que dia de graça. Ouve-se, contudo, uma voz solitária, quase rouca de tanto gritar sem ser ouvida: atire a primeira pedra quem não tem culpa no cartório e que nunca ultrapassou os portais do purgatório, aquele prédio antigo e opaco que se encontra na esquina da calamidade. Não era momento para esse tipo de assunto infeliz. A voz morreu de rouca. O sol se pôs e a noite chegou efervescente. E quando a lua já se postava na altura onde poderia ser vista por todos, o meirinho proclamou que o grande momento da história da humanidade fazia parte do passado. Nesse momento, se consagrou -- pela hora de Greenwich - o fim de todos os dias. Mas nenhum salvador apareceu. A noite estava limpa e não chovia estrelas, não se ouviu barulho de terremotos e o cataclisma não surgiu em parte alguma. O mundo continua perene. Nesse instante real a humanidade, finalmente, acordou de um sonho e se deu conta que algo equivocado acontecera. Está dito nas escrituras que a divindade não se atrasa e nem se equivoca. Deus não é cego e nem atormentado. Ele não faz piada e, muito menos, de mau gosto.
A partir de então, as pessoas começaram a perder sua fé e o mundo girou. A humanidade ingressa em outro tempo. O racionalismo da ciência, da razão e da boa idéia dá lugar à emoção do sexo fácil, do prazer carnal em cultos e orgias. Os pensadores da época, preocupados com o destino de todos, questionavam e chegaram a grande conclusão, em seminário realizado na grande cidade do oriente, que era necessário ter alguma fé. Era preciso inventar uma forma de manter equilíbrio racional da humanidade. Mas como fazer isso se as respostas a todos esses dilemas não estavam mais nos livros da antiga e da moderna escritura? O ostracismo se torna presente e a emoção toma conta da alma. Era preciso viver a mil, porque os tempos são obscuros e a família não está mais presente. Ninguém mais sabe o que é limite e ninguém mais resiste ao amor livre do pecado das trevas. E a humanidade foi se decapitando e as pessoas morriam como bichos. Elas eram levadas aos extremos da civilização e jogadas aos abutres da almas penadas, diziam os historiadores mais céticos. Mas a verdade é que certas pessoas pessoas morriam encantadas nas calçadas das cidades e dos vilarejos. Morriam felizes e sem culpa. Morriam porque queriam morrer. Porque era a hora delas e ninguém mais tinha medo da morte.
Os tempos mudaram, porque os tempos sempre mudam, e nada disso virou história. Pouco se sabe sobre esses fatos. E mesmo que essas tímidas e roucas vozes solitárias - as mesmas que denunciaram a existência do purgatório de ocasião -- tivessem se manifestado sobre tão cruel assunto, ninguém acreditaria. Existe uma tese central de que tudo aquilo foi uma grande e deslavada mentira, mas ninguém até hoje resolveu esclarecer de vez esse assunto. Ninguém tem coragem. Por isso esse incrível fato sequer virou mito ou lenda. Dizem alguns que história da humanidade é sábia porque consegue banir certos acontecimentos. É impossível localizar qualquer registro dessa época nos fichários das bibliotecas da sabedoria e nem mesmo nos museus das grandes novidades. As informações não oficiais estão a revelar que esses registros foram todos bloqueados pelas conexões e pelos cabos da mais alta tecnologia. Dizem até que um astronauta levou consigo, de forma sigilosa, uma pasta cheia de fotos, vídeos e arquivos sonoros dessa época e os lançou na atmosfera para que continuasse flutuando sobre o terreno dos fatos. Alguns chamam isso de mentira e outros de teoria da conspiração.
Fotos de Eugenio Recuenco
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