A linha solta
que prende tua roupa
é obscura demais
e por isso meu entusiasmo
em cortar com tesoura afiada
a fenda nobre e singela
que envolve teu corpo.
Os olhos que me olham por trás
as costas nuas
protegidas por uma faceta
de cobertor
e nem faz frio
dentro deles encontro
o aroma sublime
de exaltação.
Remoendo de prazer
percebo inconscientemente
que a razão pura
o admiravelmente transcendente
existe.
Buscando não se sabe bem o quê.
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Prisioneiro
Procura no calendário uma data como se fosse um soldado tentando se comunicar, mas ninguém quer entender. Na guerra os prisioneiros são considerados estorvos. Melhor mesmo é acabar com eles. Um tiro no estômago, na nuca, na face? Na face não, porque vai estragar a cerimônia de adeus.
Uma data sem nome, sem pátria, sem traição, palavra maldita. O poder de fogo das tropas inimigas é muito maior do que se imagina. Tinha consciência disso, porque sempre foi um bom observador. Agora, só lhe resta o que ensinaram: é preciso morrer com dignidade. Apostar na própria sorte é um desafio, uma questão de sobrevivência. Tinha de escolher uma data, um mês, uma hora, um segundo qualquer. Um plano?
Desenha um mapa, aponta as localizações importantes, mesmo que não tenha a capacidade de conhecer a geografia local. Apenas informações não basta, é necessário algum tipo de condição, algo que possa ser checado posteriormente. E, por isso, o plano de sobrevida. Uma data, uma pequena data, não mais que isso.
Quando o comboio desceu a colina uma pequena sensação de alivio foi tomando conta de seu corpo.Sentia-se leve, como se flutuasse em nuvens brancas. De fato, ele flutuava em nuvens brancas. E queria permanecer ali, flutuando, inconscientemente flutuando, sem tempo, sem cicatrizes, sem calendários, como se fosse um prisioneiro da alegria.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Curvas
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Voz
Forneci todos os meus dados, minha íntima vida privada. Tive confiança na pessoa, sei lá, simpatizei com sua voz, com sua maneira de se comunicar de dizer as coisas como elas realmente são. E por isso abri minha vida para ela. Desligamos as conexões, desplugamos os plugs da nossa ligeira união e passamos a viver a continuidade das nossas vidas, vidonas ou vidinhas. E passo pelas ruas a olhar os semblantes de quem passa. E passo a procurar enquanto passo. Sem sobressaltos, sem rancores ou cicatrizes vou escolhendo um a uma, uma a a uma, alguém que possa ter as feições daquela voz singela, autêntica ao ponto de me tocar tanto. E fui descobrir depois, porque depois a gente sempre descobre, que meus dados foram divulgados na listagem das grandes companhias que insistem em me chamar para vender planos, sonhos e créditos. E toda hora eles me ligam, no sábado, no domingo, a meia noite, de madrugada. Eles sabem meu nome completo, onde e como nasci, sabem os detalhes da minha ansiedade, as voltas da minha depressão, os traumas das minhas passagens. Troquei de número, mudei o aparelho e nada adiantou. As ligações continuaram e com muito maior intensidade.Um dia, farto de tudo, resolvi me desplugar do universo. Hoje não falo mais com ninguém. Dizem que surtei, que me isolei, que sou um outsider. Não sei o que sou. Só sei que ainda procuro, no meio da multidão, o dono ou a dona daquela voz singela que tocou meu coração.
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